
Acredito que eu já tenha falado isso por aqui antes: sou fã de Djavan. E é perceptível como, muitas vezes, ele é um compositor incompreendido.
O maior exemplo disto é, provavelmente, a música Açaí, que foi lançada no álbum Luz, em 1982.
Famosa por seu refrão “açaí, guardiã / zum de besouro, um ímã / branca é a tez da manhã”, essa música é uma das responsáveis por colocar Djvan no papel de compositor de músicas nonsense (ou seja, sem sentido).
O próprio cantor, no entanto, já explicou que Açaí só é nonsense para quem não conhece a cultura do norte e do nordeste brasileiro. Alagoano de nascença, ele deve saber do que está falando.
Para compreender melhor tudo isso, porém, vale a pena dar uma olhada em toda a letra da música — que é bem curta —, uma vez que ela traz uma narrativa que aparece desde o seu início.
Na primeira estrofe, o compositor fala sobre a solidão e, para isso, ele traz imagens que nos transmitem esse sentimento, como a “poeira tomando assento” ou seja, baixando no solo, e o “som de assombração” feito pelo vento, aquele barulho meio assustador que se amplifica em lugares ermos e silenciosos e que realmente nos dá a impressão de uma assombração.
Solidão de manhã
Poeira tomando assento
Rajada de vento, som de assombração
Coração sangrando toda palavra sã
Passando para a segunda estrofe, Djavan começa a tratar da paixão.
“Afã” é uma palavra que possui significados diversos, mas podemos entendê-la, nesta música, como uma aflição, uma ansiedade, coisa que ganha ainda mais força com as imagens que a seguem e que representam algo instável, passageiro e ilusório, como vemos em “castelo de areia” e na “ilusão” da “ira de tubarão”.
A paixão, puro afã
Místico clã de sereia, castelo de areia
Ira de tubarão, ilusão
O Sol brilha por si
Provavelmente o cantor está querendo nos contar de um amor que passou e que o deixou à deriva, teoria que consegue dar um sentido à união da primeira estrofe (solidão) com a segunda (paixão).
Por fim, chegamos à última estrofe, tão discutida desde o seu lançamento. Após a solidão e a paixão que acabou, aqui temos versos que trazem certa paz e quase nos dão a sensação de que tudo pode ficar bem.
Isso porque “açaí, guardiã” faz referência ao pé de açaí, tão importante na cultura nortista e nordestina. Realmente um guardião da vida, gerador de riquezas locais.
O “zum de besouro”, ao contrário do “som de assombração” é aquele barulho que, mesmo incômodo, nos atrai e hipnotiza (como uma imã).
E, para concluir, a brancura de uma manhã que se inicia com aquela neblina que precede um lindo dia de sol.
Açaí, guardiã
Zum de besouro, um ímã
Branca é a tez da manhã
Nos poucos versos que compõem esta canção, fica evidente a presença da natureza, quase sempre em seu sentido literal, ainda que, por vezes, a inversão no uso de alguns termos torne a frase um pouco mais difícil de compreender (principalmente na última estrofe).
É justamente a natureza, aliás, como fica evidente na última estrofe, que ajuda o eu lírico a se distrair e esquecer um pouco da solidão deixada pela tal paixão acabada.
Para coroar toda a letra da música, temos que levar em conta, ainda, o ritmo da música e a forma como ela é cantada pelo próprio compositor. Palavras faladas aos poucos, num crescendo que acompanha o ritmo.
Agora me conte: você ainda acha essa canção tão estranha assim?
Para fechar com chave de ouro e, como de costume, te deixo com a música em questão, para que você possa ouvir e curtir.
Djavan é muito bom!
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Concordo plenamente! 😅
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Adorei essa análise da música! Obrigada por isso <3
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Fico muito feliz com esse comentário!! Eu quem agradeço a leitura!
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