
Introdução
Recentemente, tive a sorte de ser apresentada ao rock progressivo (que os conhecedores chamam mais simplesmente de prog). E, como se não bastasse poder conhecer um estilo musical que estou adorando ouvir, também fui apresentada a grupos italianos de prog!
Por isso, trago aqui a tradução de uma resenha que fala sobre um grupo de prog italiano bem interessante, cujo nome despertou minha atenção logo de cara: Il paese dei balocchi.
Eu sabia que este nome não me era estranho e que estava ligado ao universo literário. E a resposta veio fácil: Pinocchio. Quer algo mais italiano que isso?
O texto que trago aqui fala sobre a banda, mas também sobre o único disco dela, que tem o mesmo nome. E se a pulga já estava atrás da orelha, bastou ver os títulos das músicas e apertar o play para pensar: eu PRECISO saber mais sobre isso.
Antes de passar para a tradução em si, porém, uma explicação sobre o que é, em Pinocchio, Il paese dei balocchi, porque isso não vai aparecer ao longo do artigo, mas acho que esta introdução pode deixar as coisas ainda mais interessantes.
Il paese dei balocchi (ou “O país dos brinquedos, da diversão”) é um lugar mágico, onde as crianças podem fazer o que querem, sem regras ou responsabilidades. Seria o paraíso, se não fosse por um detalhe: quem fica muito tempo por lá se transforma em burro.
Pinocchio é uma história infantil e Il paese dei balocchi tem a sua função ali: simbolizar que viver uma vida sem disciplina, trabalho e responsabilidade traz consequências.
O que isso tudo tem a ver com um disco de prog italiano? Bom, leia a tradução abaixo, deste texto aqui, originalmente publicado no site Donato Ruggiero, em março de 2020.
Tradução
Estamos em 1972, ano de publicação de muitas obras primas do prog italiano (só para citar alguns, o álbum homônimo e “Darwin”, dos Banco, “Us” do Balletto di Bronzo, “Nuda”, dos Garybaldi, “Jumbo” e “DNA”, dos Jumbo, “Uomo di pezza” do Orme, “Storia di un minuto” e “Per un amico”, do PFM) e entre eles encontramos uma pequena pérola, desconhecida para a maioria: Il Paese dei Balocchi, disco da banda homônima, formada em Roma.
Nascido das cinzas dos Under 2000, ativos desde 1965, o PdB, em 1971, foi notado pelo produtor Adriano Fabi, que propôs a gravação de um álbum. Isso aconteceu no ano seguinte e as gravações duraram somente duas semanas. Fizeram parte delas também o maestro Claudio Gizzi (futuro membro dos Automat, com Musumarra) que cuidou dos arranjos das cordas.
A obra que nasce das mentes de Armando Paone (voz, teclado), Fabio Fabiani (guitarra), Marcello Martorelli (baixo) e Sandro Laudadio (bateria, voz), é um álbum conceito de temática muito pessimista “porque naqueles tempos não acreditávamos nas instituições ‘oficias’ e estávamos enjoados e oprimidos por tudo o que nos rodeava (Vietnã, política, conformismo hipócrita,…) em que os ‘porquês’ eram tantos e sem respostas convincentes. Nos inspiramos espiritualmente em tudo isso para a criação do nosso LP… Justamente procurando ‘AS’ respostas. O nosso LP, em linhas gerais, é uma viagem do homem dentro de si mesmo… (‘si mesmo’… aqui imaginado como um Paese dei Balocchi, aquele onde todos nós gostaríamos de viver, fugindo de uma realidade que não nos empolga e onde quem tem os fios do poder… é um rei déspota que nos manobra como ‘fantoches’). É a busca por nós mesmos, ou melhor, pela própria identidade humana, passando através do bem e do mal, tentando entender quem somos, porque estamos aqui e aonde estamos indo, até chegar à esperança… vã, porque no final da viagem descobrimos que a ‘crua’ realidade na qual vivemos, nada mais é do que um espelho no qual podemos ver o reflexo da nossa própria alma” (da entrevista de Fabio Fabiani, concedida a Augusto Croce).
A divulgação do álbum acontece também com a participação da banda em dois grandes eventos organizados naquele ano: o grande concerto de Villa Pamphili, em Roma, e a Mostra d’Oltremare, em Napoli. Do disco, lembra Laudadio, foram publicadas somente 1800 cópias.
A capa, onde se pode ver diversos pedaços de tecido coloridos costurados, representa em cheio a colagem de sons (clássicos e eletrônicos) e atmosferas (forçadamente melancólica) presentes no álbum, que não deve ser entendido como uma composição confusa, mas como uma grande habilidade técnica e capacidade de fazer malabarismos no complicado universo do “conhecer a si mesmo”.
A primeira faixa do álbum, com um longo título, é Il trionfo dell’egoismo, della violenza, della presunzione e dell’indifferenza (o triunfo do egoísmo, da violência, da presunção e da indiferença). O início é arrebatador: um passeio que nos lembra uma pequena parte, depois do solo de bateria no início, de Il tramonto di un popolo (O pôr do sol de um povo), música do Capitolo 6, presente no álbum Frutti per Kagua (publicado no mesmo ano). Neste o destaque é a flauta, enquanto naquele não tem um elemento que se sobressai, mas é a sublime mistura entre guitarra, órgão, baixo e bateria que se impõe. E então uma mudança abrupta: entram os instrumentos de corda, criando um suspense, e a música muda completamente. Os últimos segundos são muito relaxantes.
Música multifacetada é Impotenza dell’umiltà e della rassegnazione (Impotência da humildade e da resignação). Em apenas quatro minutos, Il paese dei balocchi se aventura em numerosas e repentinas mudanças que desorientam o ouvinte. O começo é bem minimalista, com uma guitarra “distante” e um tema de poucas notas, retomados pouco depois, de maneira decidida, por uma guitarra distorcida. A evolução da música é introduzida pelo baixo de Martorelli e a sucessiva entrada de toda a banda, acompanhada por coros (presentes já um pouco antes da entrada do baixo). Pouco depois, o órgão, sozinho, tenta trazer calma, mas só aparentemente: os coros entram novamente com uma guitarra toda em estilo “western”. Em seguida, um breve trecho de teclado ao estilo de Battiato. A música termina com um bom e puro prog “made in 1972”.
Com Canzone della speranza (Música da esperança), o PdB “respira” um pouco. É a primeira faixa cantada do álbum. Um leve arpejo dá início a uma balada melancólica (estado de espírito endossado pelos coros). A tristeza base da música está presente também nos instrumentos de corda, na voz e no texto: “Eu vendo tudo e vou embora, todos os sonhos, a melancolia / deixo a tranquilidade por um pouco de liberdade / uma sobra de sinceridade, a fé, um pouco de caridade / procuro coisas que nunca tive / as mãos estendidas de um amigo, talvez um sorriso / palavras doces que nunca ouvi / perdi o país com o qual sonhei, o vento vai me levar / mundo mais novo, estou aqui para você / cores vivas me curarão / o amor que agora não está em mim, verá”.
Evasione (Evasão) tem um sabor onírico, psicodélico (sensação criada pelo som “aquoso” da guitarra na primeira parte da canção). A partir do segundo minuto, a atmosfera de sonho ganha mais força com a entrada do teclado e da bateria. Vale notar algumas esporádicas inserções de sintetizador e um final mais encorpado.
Risveglio e visione del paese dei balocchi (Despertar e visão do país dos brinquedos) tem uma estrutura e ainda cria uma atmosfera capaz de ser usada sem problemas como música de filme. O riff de baixo do interlúdio parece tirado de uma faixa dos Banco.
Música de dupla personalidade é Ingresso e incontro con i baloccanti (Entrada e encontro com os brincalhões). A primeira parte tem uma introdução muito animada, que exala algo de medieval. A segunda parte foi confiada apenas à voz, que se exibe em um canto de tom “monástico”.
A breve, mas intensa, Canzone della verità (Música da verdade), realizada apenas com cordas, lembra muito de perto músicas presentes nos três “Concerto Grosso” do New Trolls.
Outra música bem curta é Narcisismo della perfezione (Narcisismo da perfeição). Os únicos participantes da “contenda” são guitarra e voz. Enxerga-se ali algo que será próprio de Angelo Branduardi nos anos seguintes.
Vanità dell’intuizione fantastica (Vaidade da intuição fantástica). depois de dois minutos de som “em baixo volume” (órgão e guitarra), é o baixo, acompanhado das percussões, que dá sentido à música. Eles preparam o terreno para um bom trecho de prog. O solo de órgão presente aqui soa muito britânico. A última parte da música tem sonoridades mais psicodélicas.
É uma “prova de força” do órgão, muito bem tocado por Paone, que ocupa os mais de quatro minutos de Ritorno alla condizione umana (Retorno à condição humana). Para a ocasião foi usado um órgão Mescioni, de 1947, presente na igreja de S. Euclide, igreja na qual também foram registrados alguns coros (para aproveitar a reverberação) presentes no disco. Para complementar, algumas intervenções de sintetizador.
Conclusão
Se você, assim como eu, não conhecia nada disso, espero que tenha gostado. E se já conhecia, que esta tradução ao menos tenha trazido algumas informações novas.
Sigo escutando Il paese dei balocchi, tentando unir a sonoridade a todas essas possíveis interpretações e significados que cada uma das músicas (e são apenas 10, passa tão rápido!) pode ter.
Ah, e se quiser ouvir também, é só dar o play:
Parei pra ouvir um pouco, pois me interessa o estilo, que mostra muito mais do talento e habilidades dos músicos
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