A bibliotecária de Auschwitz — Antonio G. Iturbe

Título: A bibliotecária de Auschwitz
Original: La bibliotecaria de Auschwitz
Autor: Antonio G. Iturbe
Editora: Harper Collins Brasil
Páginas: 402
Ano: 2016
Tradutor: Dênia Sad

Ao mesmo tempo que queria muito falar sobre esse livro, adiei por diversas vezes esta resenha. E olha que ler livros sobre o período do holocausto é algo que tenho o hábito de fazer, motivada por um fascínio que talvez só se explique pelo fato de que quanto mais leio, menos acredito que uma coisa dessas pode ter acontecido de verdade.

“Em Auschwitz, a vida humana vale menos que nada”

Claro que a primeira coisa que me chamou a atenção foi o título desta obra. E, num primeiro momento, não pelo estranhamento que ele deveria causar, e sim porque qualquer coisa relacionada a livros chamaria a minha atenção. Mas livros em Auschwitz?

“Os livros em Auschwitz oficialmente não existem”

Sim, livros em Auschwitz. É difícil explicar como eles chegaram até ali e como ali permaneceram, mas também é difícil não se envolver nessa narrativa que mistura ficção e realidade e que cita ou faz paralelos — de maneira direta ou indireta — com tantas outras obras literárias, inclusive a minha mais longa leitura de 2020: As mil e uma noites.

“No entanto, houve sim um dia em que a infância se fechou como a gruta de Ali Babá e ficou sepultada na areia”

Narrado em terceira pessoa, A bibliotecária de Auschwitz nos dá um excelente panorama dos horrores que aconteciam em um campo de concentração, ao mesmo tempo que consegue focar em alguns personagens chave que dão vida e nos prendem à essa narrativa tão densa.

“Pediram que ele fizesse algo que estava além de suas forças. Além das forças de qualquer um”

A primeira personagem que não posso deixar de mencionar, por ser a protagonista desta história — ainda que protagonismo seja uma palavra difícil de usar neste contexto — é Edita (ou Dita) Adlerova, a bibliotecária.

“Mais do que um bibliotecária, desde esse dia ela se tornou uma enfermeira de livros”

A bem da verdade, Dita era apenas uma jovem que perdeu sua adolescência para o nazismo. Mas ela ainda teve “sorte” de poder trabalhar no bloco 31, que funcionava como uma escola. Claro que, aos olhos dos guardas, nada demais se ensinava, mas aquele era um refúgio e também um bloco de resistência. Até de sonhos, se é que se pode dizer isso.

“Não importa quantos colégios os nazistas fechem, respondia. Cada vez que alguém se detiver num canto para contar algo e algumas crianças se sentarem ao redor para escutar, ali terá sido fundada uma escola”

E, quando falamos no bloco 31, não podemos deixar de mencionar Fredy Hirsch, outro personagem de extrema importância para esta narrativa. Ele era o diretor do bloco e uma pessoa que inspirava a todos, um símbolo de luta e resistência. Mas, por trás daquela máscara que vestia, parecia esconder muita coisa.

“Em Auschwitz, quase nada é o que parece”

A partir de Dita e Fredy, a narrativa vai se construindo, nos apresentando outros personagens que também ganham o seu destaque na história, como a própria família de Dita. É interessante perceber como em Auschwitz todos estão sozinhos e, ao mesmo tempo, sem cada pessoa que aparece na narrativa, ela não seria a mesma.

“Dita Adlerova se movimenta sozinha em meio a centenas de pessoas, mas corre sozinha. Sempre corremos sozinhos”

Ainda que fale muito sobre o campo de concentração, A bibliotecária de Auschwitz não se resume a esse espaço. Conhecemos um pouco da vida de Dita antes dela ir para lá, quando ainda vivia plenamente em Praga e, depois, quando passou a viver na murada cidade de Terezín, que já era um preparo — sem nada preparar — para o que viria a seguir.

“Terezín era uma cidade onde as ruas não levavam a parte alguma”

Mas não são apenas os espaços que variam nesta narrativa: há temas muito importantes e interessantes abordados ao longo destas páginas. São passagens sobre homofobia, sobre o peso da vida e sobre a importância da educação que contribuem para tornar esta narrativa ainda mais rica e impactante.

“Ao longo da história, todos os ditadores, tiranos e repressores, fossem arianos, negros, orientais, árabes, eslavos ou de qualquer outro tom de pele, defenderam a revolução popular, os privilégios das classes nobres, os mandamentos de Deus ou a disciplina sumária dos militares. Qualquer que fosse sua ideologia, todos tiveram algo em comum: sempre perseguiram os livros com verdadeira sanha. São muito perigosos, fazem pensar”

Outra coisa que chamou muito a minha atenção durante a leitura foi que, no bloco 31, além de alguns raros exemplares em papel, eles contavam com “livros vivos“, isto é, professores que sabiam alguma história de cabeça e as contavam aos alunos. Isso, sem dúvidas, me fez lembrar das bibliotecas vivas e é muito estranho (ou doloroso?) pensar como, no fundo, ambas podem ter nascido de uma mesma raiz: o preconceito.

“Naquele lugar tão escuro em que a humanidade chegou a alcançar a própria sombra, a presença dos livros era um vestígio de tempos menos lúgubres, mais benignos, quando as palavras ressoavam mais do que as metralhadoras”

E, por falar em livros, já mencionei como esta história nos faz lembrar de tantas outras, como não poderia deixar de ser, uma vez que diversas passagens exaltam o poder que a literatura tem. Mas há uma passagem em específico que me lembrou muito É isto um homem?, outro livro sobre o holocausto que já li e que considero extremamente marcante:

“A primeira lição que qualquer veterano dá a um recém-chegado é a de que sempre se deve ter claro seu objetivo: sobreviver. Sobreviver mais umas horas e assim acumular mais um dia, que somado a outros poderá se transformar em mais uma semana. E assim sucessivamente: nunca fazer grandes planos, nunca ter grandes objetivos, apenas sobreviver a cada momento. Viver é um verbo que se conjuga no presente”

Se a história de A bibliotecária de Aushwitz nos deixa com algumas dúvidas, ao final, o autor faz alguns esclarecimentos muito interessantes e que eu recomendo fortemente que você não pule. Inclusive, uma das mensagens deste trecho é:

“Com pão para comer e água para beber, o homem sobrevive, mas só com isso a humanidade inteira morre”

Por fim, eu gostaria de comentar que a experiência de ter lido este livro pode ter sido ainda mais intensa pelo fato de estarmos em isolamento social. Por diversas vezes me vi pensando: as pessoas têm reclamado de estar em casa, de não poder sair, mas veja bem, estamos no conforto de nossas casas, com comida, água, podendo ter a melhor das higienes e com acesso a internet. Tudo isso é muito mais do que qualquer paraíso sonhado por um prisioneiro de Auschwitz.

“Os ingleses pensavam que libertariam um campo de prisioneiros, mas o que encontraram foi um cemitério”

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