Poemas antológicos — Solano Trindade

Título: Poemas antológicos 
Autor: Solano Trindade 
Organização: Zenir Campos Reis 
Editora: Nova Alexandria 
Páginas: 168 
Ano: 2007

Sinopse

Antologia de poemas de Solano Trindade, uma das mais importantes vozes da poesia brasileira da segunda metade do século XX.

Resenha

Inicio esta resenha confessando que raras vezes busco me aprofundar na vida dos autores que leio. Geralmente, as biografias que os livros trazem satisfazem a minha curiosidade quanto à pessoa que escreveu e logo saio em busca da próxima leitura.

“Luta foi o que não faltou na vida de Solano Trindade, nascido pobre e negro no Recife, em 1918”

Por algum motivo, porém, desde que peguei Poemas antológicos para ler, sentia que queria saber mais e mais sobre Solano Trindade.

“Só é jovem quem ama

E o meu amor à vida

É cada vez maior”

(Vida)

Felizmente, o próprio livro é bem rico, trazendo em seu início os capítulos Algumas palavras antes do texto e Solano Trindade, passado e presente, que nos dão um bom panorama sobre a vida e a obra deste poeta.

“O título de ‘poeta negro’ ganha força, já que nos versos é verificada a principal fonte de inspiração: o desejo de igualdade”

E, claro, esta reunião de poesias despertou aquela pulga do: como nunca ouvi falar sobre Solano Trindade antes? Mas a resposta está ali mesmo: Solano ficou conhecido como o “poeta negro”. Isto, somado às suas poesias carregadas de denúncias e críticas, certamente contribuiu para que ele não entrasse no cânone literário (principalmente escolar).

“Liberdade é um tema recorrente na obra de Solano Trindade — principalmente nos poemas que abordam a escravidão e a vida do negro fora da África”

E apesar de igualdade e liberdade ecoarem em muitas das poesias aqui reunidas, o livro nos leva muito além, mostrando que o “poeta negro” sabia brincar com as palavras e usá-las para falar de tudo um pouco, de maneira inteligente e, muitas vezes, surpreendente.

“Outros temas, mais cotidianos, também estão presentes nesta antologia”

Assim, Poemas antológicos está dividido em quatro grandes temas:

  • Vida, nossa vida
  • Deuses e raízes
  • Amor à flor da pele
  • Resistência e luta

Por mais que as temáticas se conversem e se cruzem em alguns pontos, é muito fácil perceber o assunto de cada poema e qual grande tema estamos percorrendo naquele momento. 

“Todo amor é de agora…

Não existe amor futuro”

(Amor, amor, sempre amor)

A poesia de Solano me cativou não apenas por sua variedade de temas, mas também por sua forma e sua força. Senti que estava lendo poesia de verdade e fiquei ainda mais encantada ao saber que alguns dos poemas chegaram a ser musicados, inclusive por João Ricardo, dos Secos e Molhados, na canção que pode ser ouvida abaixo.

Também chamou a minha atenção a criatividade do autor, o uso de figuras de linguagem, a ironia bem empregada. 

Dentre os poemas que não posso deixar de destacar, menciono F. da P, Toque de reunir, Batucada, Civilização branca.

Se você quiser conhecer estes e outros versos de Solano Trindade, indico a obra Poemas antológicos, que você pode obter em formato físico ou digital clicando abaixo.

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Até o fim — Chico Buarque

Por volta do ano de 2007 aprendi, pela primeira vez — e muito por acaso — o que era intertextualidade. Eu estava lendo Crescer é perigoso (Marcia Kupstas), para a escola, quando deparei-me com a palavra “gauche” que eu, desatentamente, li “guache” (sim, tipo a tinta) e, achando engraçado que um anjo dissesse para um menino “ser guache na vida” (porque a pessoa seria tinta na vida?) comentei com meus pais, que logo trataram de desfazer meu mal entendido.

Mas não só: minha mãe, como boa apreciadora de Drummond, logo me explicou que essas palavras faziam parte de um de seus poemas. E também, claro, logo me explicou o real significado de “gauche” (e não guache, por favor). E assim, “Vai Carlos, ser gauche na vida” ficou ressoando dentro de mim.

Essa passagem liga-se a outra de minha vida: desde que me conheço por gente, temos o hábito de ouvir música aos finais de semana (todos ouvirmos a mesma música, no caso). Cresci ouvindo MPB e no meio de tanta coisa, com certeza ouvi várias e várias vezes Até o fim, cantada por Chico Buarque e Ney Matogrosso.

Foi somente em 2008, porém, que descobri que esta canção também tem a sua intertextualidade com o Poema de Sete Faces, de Carlos Drummond de Andrade. E, ao descobrir isso, logo lembrei de Crescer é perigoso e tudo isso passou a ser tão especial para mim.

Mas não foi o simples fato de eu ter aprendido na prática o significado de intertextualidade que tornou tudo isso especial. Foi, sem dúvidas, o significado, principalmente da música, que por anos a fio usei como “frase de status”.

Enquanto ouvimos Até o fim podemos ver uma história se construindo diante de nossos ouvidos. A história de um garoto que cresce, mas que, não importa a idade, é sempre acompanhado pela sina decretada pelo querubim, isto é, a de ser errado.

Mas, como em tantas músicas de Chico Buarque, que viveu poucas e boas como artista brasileiro, há a esperança. A esperança de ir até o fim, mesmo sendo errado. A esperança de continuar lutando pelo não errado.

Deixo, portanto, as palavras desta canção, bem como, ao final, a música, para que vocês possam ouvir e acompanhar.

Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
“inda” garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão , eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim
Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, a minha mula empacou
Mas vou até o fim
Não tem cigarro acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro “pronde” mesmo que eu vou
Mas vou até o fim
Como já disse era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim