“Ricchione”, palavra made in Nápoles [tradução 35]

Introdução

Ler livros em outras línguas é uma prática um tanto quanto interessante: ao mesmo tempo em que nos permite entrar em contato com uma obra em seu original, também nos permite aprender muito, seja sobre uma cultura, seja sobre seu vocabulário.

Foi assim que, lendo Storia di chi fugge e di chi resta, me deparei com o termo “ricchione” e, mesmo tendo entendido seu significado — ainda que nunca tivesse visto essa palavra antes — resolvi pesquisar sobre ele, encontrando o texto que trago para a tradução de hoje.

Você pode ler o artigo original, escrito por Chiara Cepollaro, em janeiro de 2016, aqui, no site Vesuvio Live.


Tradução

Frocio, finocchio, culattone e inúmeras variações que surgem devido às transformações dialetais da palavra. Se trata, como bem sabemos, de gírias, usadas de maneira pejorativa e ignorante para definir pessoas homossexuais. De domínio nacional, hoje em dia existe, porém, a palavra ricchione, de exportação napolitana, mas difundida em muitas cidades do Norte.

Qual é, exatamente, a origem do vocabulário? O termo tem suas raízes em contaminações linguísticas ocorridas ao longo da história, principalmente durante os períodos de dominação estrangeira, quando a língua falada pelo povo mudava e evoluía de acordo com o ambiente ao seu redor, do qual absorvia palavras que facilitavam a comunicação.

Isso, no entanto, implica um certo grau de incerteza, inclusive por parte dos próprios linguistas, sobre a proveniência específica do termo. Existem diversas hipóteses, sendo algumas mais valorizadas que outras. Vejamos:

Os Conquistadores. Depois de passar um período na América do Sul, os Conquistadores espanhóis que chegavam ao porto de Nápoles, imitando os homens poderosos das tribos Incas, usavam grandes brincos nos lóbulos, para dilatá-los, alargando a orelha. Além disso, o fato de que haviam passado muito tempo no mar, longe, portanto, de mulheres, fazia com que as pessoas pensassem em um período no qual eles tivessem “se arranjado” entre si, tendo relações homossexuais. Assim, portanto, “ricchioni”, de “orelhas grossas” (orecchie grosse).

Uma variante desta hipótese, por outro lado, identifica a palavra “ricchione” no cruzamento de duas palavras: recchia (orelha em napolitano) e Maricòn (homossexual em espanhol).

Uma hipótese próxima é que a palavra derive de Orejon (em espanhol, orelha grande): quando os conquistadores chegavam em Nápoles, contavam histórias da cultura Inca e, entre elas, havia o costume, entre os homens nobres, a fim de exercitar seu poder com virilidade e longe das tentações da carne, de ser castrados desde pequenos. Esses últimos, além disso, usavam na orelha grandes brincos que notavelmente dilatavam os lóbulos. Um outro costume típico era o de polvilhar pó de ouro sobre as orelhas desses homens, nascendo daí o modo de dizer “tené ‘a povere ncoppo ‘e rrecchie”, que faz referência ao fato que a pessoa de quem falamos é homossexual.

Longe dessas hipóteses hispânicas se coloca aquela em que o termo deriva de um verbo calabrês: arrichià, que significa literalmente ad-hircare, ou seja, andar em direção ao bode. Desejar o bode. Na natureza, a cabra arricchia, ou seja, deseja o bode, portanto…

Uma última explicação poderia vir de uma crença popular enraizada na qual acredita-se que a caxumba, a doença, pudesse tornar impotente o homem que a contraísse e, consequentemente, “não adequado” à reprodução: “nun è buono”, muitos diriam ainda hoje. Daqui a associação aos homossexuais, esses também “inadequados” à reprodução, mesmo que por outros motivos.

Seja como for, as várias hipóteses se cruzam entre si, com referências parecidas e que se combinam. Contudo, as palavras nascem por evolução natural da cultura, sem conotações negativas. Estas últimas chegam quando os termos são contextualizados, utilizados em uma realidade que constrói, sozinha, a identidade da palavra. Cada palavra é, por assim dizer, neutra. Somos nós que conferimos a ela um significado ou outro, um sentido positivo ou negativo que, na realidade, antes não existia.

Conclusão

E aí, o que achou desse texto? 

Para mim, é de extrema importância o adendo feito ao final: muitas palavras são neutras, nós é que atribuímos sentidos positivos ou negativos a elas.

Foi estranho traduzir esse texto porque, mesmo achando-o muito interessante, deu muito medo de escolher termos ruins para a tradução, colocando justamente palavras negativas aqui.

4 comentários em ““Ricchione”, palavra made in Nápoles [tradução 35]

  1. Oi Tati, tudo bem?
    Muito interessante e rica a sua postagem, com diversas teorias possíveis pra tradução dessa palavra, ainda que eu entenda seu receio já que muitas das hipóteses têm uma conotação mais preconceituosa. No livro que você leu, o contexto era negativo?
    Beijos,

    Priih
    Infinitas Vidas

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    1. Oi, Priih! Que alegria te ver por aqui (:
      Sim, infelizmente o contexto era negativo. Na verdade o livro é muito bem escrito e certamente foi uma escolha da autora o uso desse termo, nessa forma, justamente para mostrar o uso local e talvez até mesmo suscitar esse tipo de debate.

      Beijos!

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  2. Que interessante essa postagem e também a percepção sobre as palavras serem neutras e nós é que criamos o sentido positivo ou negativo… Não havia pensado sobre isso e adorei essa reflexão.

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