Due vite — Emanuele Trevi

Título: Due vite
Autor: Emanuele Trevi
Editora: Neri Pozza Editore
Páginas: 128
Ano: 2020

Como se resenha um livro cuja história vai muito além daquela impressa em suas páginas? Sim, porque Due Vite nos conta sobre muito mais que apenas duas vidas, mas também sobre todo um universo literário que ainda temos a explorar.

Escrever sobre uma pessoa real e escrever sobre um personagem imaginado, no final das contas, é a mesma coisa: é preciso obter o máximo na imaginação de quem lê, usando o pouco que a linguagem oferece.

E se eu já sou uma ferrenha defensora de que a leitura de um livro é totalmente única para cada leitor, este aqui vem para provar que é assim mesmo: leitores com variados níveis de conhecimento de mundo terão experiências totalmente diferentes ao se deparar com esta obra.

“Porque só é verdade aquilo que nos pertence, aquilo do qual viemos fora”

Para ser mais clara: eu sequer sabia (porque também não me dei ao trabalho de procurar antes) se o personagem aqui retratado era ou não real. Acabei deixando para pesquisar somente ao final da leitura e, bem, descobri que sim, o que por si só já muda um pouco da interpretação que dei à obra.

“Porque nós vivemos duas vidas, ambas destinadas a acabar: a primeira é a vida física, feita de sangue e respiração; a segunda é aquela che se desenvolve na mente de quem nos quis bem”

Nos dois primeiros capítulos, por exemplo, somos muito bem contextualizados com relação ao nosso protagonista: quem era e como era, tanto fisicamente quanto em seus modos e manias. Se esta fosse uma obra fictícia, tamanha riqueza de detalhes seria de espantar, mas Rocco Carbone realmente existiu, então posso dizer que, ao concluir esta leitura, é difícil não ter uma visão bem detalhada de quem foi este escritor italiano — porque sim, Rocco Carbone também foi um escritor italiano.

“Rocco Carbone soa, na verdade, como uma perícia geológica”

Mas, como eu disse acima, não é apenas à Rocco Carbone que somos apresentados ao longo destas páginas. Por meio das palavras de Emanuele Trevi, conhecemos também Pia Pera, outra figura pertencente ao meio literário italiano. Contudo, vamos ainda mais além: a partir da visão de Emanuele e da amizade que ele teve com esses dois protagonistas, outras literaturas descortinam diante de nossos olhos, tanto com a menção e comparação a outros escritores italianos, quanto com escritores estrangeiros, principalmente russos, que eram objeto de estudo de Pia.

“Aquilo que sempre desejei a Rocco, nos tantos anos da nossa amizade, foi um pouco mais de falta de consciência”

Portanto, ao mesmo tempo que o autor, por meio de sua escrita, nos oferece uma visão muito particular e próxima, não apenas de si, mas principalmente de Rocco e Pia, ele também nos transporta por meio de menções e comparações que requerem muito conhecimento literário para que possamos aproveitá-las ainda mais.

“Já é difícil dar um bom conselho; mas se quem fala com você só quer ser escutado, então não há mais nada que se possa fazer”

É assim que um livro que, em um primeiro momento, poderia parecer despretensioso, logo transforma-se numa riqueza e fonte de muitas possíveis conexões e aprendizados.

“Não nascemos para nos tornar sábios, mas para resistir, escapar, roubar um pouco de prazer em um mundo que não foi feito para nós”

Due vite foi vencedor do Prêmio Strega — prêmio literário italiano, concedido a um autor publicado na Itália entre os dias 1º de março do ano anterior e 28 de fevereiro do ano corrente — em 2021. A obra ainda não foi traduzida para o português e os trechos acima foram apresentados com tradução minha. Abaixo você pode conferir os originais, na ordem em que foram apresentados ao longo desta resenha.

“Scrivere di una persona reale e scrivere di un personaggio immaginato alla fine dei conti è la stessa cosa: bisogna ottenere il massimo nell’immaginazione di chi legge utilizzando il poco che il linguaggio ci offre”

“Perché è vero solo ciò che ci appartiene, ciò da cui veniamo fuori”

“Perché noi viviamo due vite, entrambe destinate a finire: la prima è la vita fisica, fatta di sangue e respiro, la seconda è quella che si svolge nella mente di chi ci ha voluto bene”

“Rocco Carbone suona, in effetti, come una perizia geologica”

“Quello che ho sempre augurato a Rocco, nei tanti anni della nostra amicizia, è stato un minimo di inconsapevolezza in più”

“Già è difficile dare un buon consiglio; ma se chi ti parla vuole solo essere ascoltato, allora non c’è più niente da fare”

“Non siamo nati per diventare saggi, ma per resistere, scampare, rubare un po’ di piacere a un mondo che non è stato fatto per noi”

Se quiser saber mais sobre essa obra, clique abaixo!

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12 livros para 2020

Doze livros para 2020

Como eu disse na minha retrospectiva, não costumo estabelecer metas, ainda mais de leitura. Mas, esse ano, resolvi me desafiar um pouco, separando 12 tipos de livros que eu gostaria de ler ao longo do ano, um para cada mês (e não necessariamente na ordem que colocarei aqui):

  1. Um livro escrito por uma mulher
  2. Uma HQ ou um mangá
  3. Um livro em inglês
  4. Um livro em italiano
  5. Um livro de fantasia
  6. Um livro clássico
  7. Uma biografia/livro de não ficção
  8. Um livro sobre o ou que se passe no período do Holocausto
  9. Um livro de um(a) escritor(a) negro
  10. Um livro de poesia
  11. Um livro sobre algum transtorno/doença psicológica
  12. Um livro com protagonistas LGBTQ+

Aceito sugestões para cada uma das categorias acima, ainda que algumas delas tenham sido pensadas de acordo com alguns livros que estão parados na minha estante (e esse é o verdadeiro desafio: desencalhar livros!).

Conforme eu for cumprindo as leituras, trarei a resenha para vocês e a qual categoria o livro pertence. Lembrando (a mim mesma) que cada livro só poderá eliminar uma categoria!

Alguém que me acompanhar nessa? Ou vocês também já estabeleceram seus desafios?

A teoria de tudo – Jane Hawking

Título: A teoria de tudo
Original: Travelling to infinity: my life with Stephen
Autor: Jane Hawking
Editora: Gente
Páginas: 447
Ano: 2014
Tradução: Sandra Martha Dolinsky e Júlio de Andrade Filho

Dizer que eu adorei esse livro certamente seria mentira, mas não consegui deixar de ler até o fim para entender a visão de Jane Hawking sobre seu relacionamento com Stephen Hawking.

Assisti ao filme homônimo em 2015 e me lembro de ter gostado da história e ter ficado com vontade de ler o livro. 3 anos depois, eu já não me lembrava bem como era descrito o final desse romance — o que me prendeu até a última página — mas o livro me pareceu um pouco mais maçante do que eu esperava.

“Nem três dias, nem três meses e nem mesmo três anos poderiam ter me preparado, ou qualquer outra pessoa, para o que ainda estava por vir”

A teoria de tudo (p.350)

Uma coisa, no entanto, é bem clara e não podemos deixar de mencionar: a vida de Jane Hawking, ao lado de Stephen, não foi nada fácil, e não somente pelo fato da ELA, doença que, aos poucos, foi dominando o corpo de Stephen, mas também por conta de toda a genialidade desse cientista, bem como de seu ceticismo e as difíceis relações interpessoais dele e de sua família.

“A culpa, disse ele, é o risco que se corre esforçando-se sempre para o mais e o melhor; o amor é a única resposta para a culpa”

A teoria de tudo (p.374)

Hoje em dia temos muito mais informações sobre a ELA — Esclerose Lateral Amiotrófica — do que a que existia na época em que Stephen Hawking foi diagnosticado, recebendo uma previsão de poucos anos de vida (que ele superou e muito!). A ELA é uma doença que degenera progressivamente os neurônios motores do cérebro e da medula espinhal, gerando uma fraqueza muscular que, aos poucos, vai paralisando o portador dessa doença. Ainda não há cura para a ELA.

“As expressões no rosto de Stephen eram sempre uma medida muito mais poderosa de suas emoções do que suas palavras, e nessas ocasiões era o sorriso em seu rosto que transmitia sua alegria inconfundível por seus filhos”

A teoria de tudo (p.154)

O livro está dividido em 4 partes e o que me fez não gostar tanto dele é que a escrita, por vezes, é um pouco confusa. Apesar das mais de 400 páginas, parece que algumas coisas acontecem do nada. Mal fica claro que Jane e Stephen estão namorando e, de repente, eles se casam. O segundo filho do casal também, é mencionado de maneira confusa em um primeiro momento. Mas também não podemos nos esquecer que esse livro foi uma espécie de libertação de Jane. Ela precisava escrever o que escreveu, da forma como fez, para entender tudo o que viveu.

“Como eu amava Stephen, eu queria me dar bem com sua família, gostar deles e ser amada por eles, e não conseguia perceber o motivo de esse relacionamento em particular ser tão difícil”

A teoria de tudo (p.93)

Quando eu defendo a Jane aqui e digo que ela não teve uma vida fácil após casar-se com Stephen, estou me apegando a inúmeros momentos do livro em que eu mesma fiquei angustiada com tamanha pressão em cima dela, tamanha falta de reconhecimento de todos os seus esforços, tamanha repressão.

“O simples fato de ser capaz de racionalizar o medo não me fez lidar com isso com mais facilidade, porque eu tinha vergonha de admitir essa fraqueza, em especial quando nossa vida era estritamente governada por aquela corajosa máxima de Stephen — que, se houvesse uma doença física em casa, não havia espaço para problemas psicológicos também”

A teoria de tudo (p.124)

Uma mente brilhante nem sempre revela um ser humano brilhante. E claro que a doença também teve um papel de grande influência na vida desse jovem casal, que apesar de toda a adversidade, no entanto, conseguiu constituir uma linda família, com 3 filhos, ter uma casa, inúmeros amigos. E todos esses fatores, sem dúvidas foram essenciais para Jane.

“Por medo de machucá-lo, tentei intuir seus sentimentos, sem forçá-lo a expressá-los, estabelecendo assim, inconscientemente, uma tradição de não comunicação que se tornaria intolerável com o passar do tempo”

A teoria de tudo (p.41)

A partir da terceira parte do livro a insustentabilidade do relacionamento entre Stephen e Jane fica ainda mais evidente. Chega a ser angustiante ler essas páginas.

“Era óbvio: estávamos vivendo à beira de um precipício. Ainda assim, é possível, mesmo à beira de um precipício, ficar raízes que penetram rochas e pedras, que se insinuam até mesmo nos solos mais pobres para formar uma base suficientemente segura para os galhos acima, por mais atrofiados que sejam para produzir folhagem, flores e frutos”

A teoria de tudo (p.243)

A quarta parte ainda revela muitos momentos de tensão, até que a situação de ambos se resolve, de uma forma que, creio eu, foi a melhor para cada um. E a paz vai aos poucos se instaurando. O bacana é que, ao final, apesar de todo o peso dessa narrativa, terminamos a leitura mais leves, com a sensação de que as coisas se resolveram. De que houve uma espécie de “felizes para sempre”.

Livro disponível na Amazon por R$34,71.

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