Mudanças na estrutura da obra — Diário de leitura (11)

Depois das narrativas apresentadas em meu último diário de leitura, dei início à História de Nuredin e da Formosa Persa. Logo de cara, porém, um baque: deste ponto em diante não há mais a interrupção a cada noite, isto é, os “capítulos” do livro, agora, são formados por cada uma das narrativas de maneira completa, o que significa que são capítulos mais extensos.

Eu, particularmente, não gostei muito deste novo formato pois, como dito acima, os capítulos ficam mais extensos, mas também porque as interrupções a cada novo amanhecer me instigavam a continuar a leitura. Era aquela coisa de “só mais um capítulo”, porque geralmente isso significava só mais algumas páginas. Agora não, agora sinto que tenho de me dedicar à história inteira de uma vez e isso, por vezes, dá uma certa preguiça…

Esse formato, também, me faz pensar se, daqui para frente, haverá menos narrativas dentro das outras narrativas, como acontecia anteriormente. Na história de agora, por exemplo, foi assim. Havia, ali, apenas a história de Nuredin e da Formosa Persa.

Não que tenha sido uma história sem graça, muito pelo contrário. Trata-se de uma narrativa no estilo de outras que já li nesta obra, com idas e vindas e com passagens que nos fazem pensar “não é possível, isso não pode acontecer”. E, uma vez mais, o amor se faz presente, nos mostrando, também, muitos costumes da época ou da cultura oriental.

Um dos pontos que mais me chamou a atenção, porém, foi uma passagem sobre a confiança. Sobre como, desde sempre, muitas relações são baseadas no interesse e que, quando não temos mais nada a oferecer ao outro, ele nos dá as costas.

“Reconheceu, então, o erro irreparável de ter confiado tão facilmente nos falsos amigos e nos seus protestos de amizade, enquanto lhes oferecia banquetes suntuosos e os cumulava de benefícios”

Imagino que essa passagem mesmo seja uma crítica a esse comportamento e é uma pena ver que, passam-se anos e anos e algumas coisas não mudam.

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Choque temporal — Diário de leitura (7)

Sim, certamente, apesar de ter arriscado, Sherazade conseguiu se manter viva por mais uma noite e, então, dar início a uma nova narrativa: A história do pequeno corcunda, contada entre as noites 123 e 128.

Eu diria que se trata de uma história tragicômica: devido a um incidente, o tal corcunda vem a falecer na casa de um alfaiate, que busca a qualquer custo se livrar do corpo, por medo de ser acusado de assassinato. O corpo, então, passa de um a outro personagem, todos achando-se culpados pela morte do corcunda, mas dando um jeito de se livrar dele, que, no final das contas, é encontrado perto de um mercador cristão, que acaba levando a culpa (vale lembrar que “As mil e uma noites” vem de uma cultura não cristã e na qual essa rixa se faz presente).

Para completar o quadro, o tal corcunda pertencia ao sultão e, por isso, para fazer justiça à sua morte, o mercador é condenado à forca. Com peso na consciência, porém, os outros personagens começam a se entregar também e, por isso, todos são levados à presença do sultão. E a única forma de salvarem suas vidas é, adivinhem só? Contando uma história que seja melhor que as que o corcunda contava ao sultão.

Assim sendo, dentro deste arco, temos as seguintes histórias:

  • A história contada pelo mercador cristão
  • A história contada pelo fornecedor do sultão de Casgar
  • A história contada pelo médico judeu
  • A história contada pelo alfaiate
  • A história contada pelo barbeiro

E o barbeiro da última história abre um novo arco de narrativas, contando a história de seus irmãos, coisa que ainda estou lendo e, portanto, não sei que fim levarão esses personagens! (Sim, estou curiosa).

Mas, como não poderia deixar de ser, o momento reflexão do diário de hoje: esses dois arcos narrativos, talvez tenham sido, até o momento, os mais difíceis de ler. Isso porque é possível perceber a maldade e o desprezo que há com as deficiências das pessoas. O corcunda, por exemplo, além de ser uma “posse” do sultão, era motivo de chacota. E os irmãos do barbeiro (cujas histórias estou lendo) também possuem alguma deficiência, que os torna motivo de risada e desprezo.

Eu sei que a distância temporal que separa o momento em que essas histórias foram escritas e os dias de hoje é enorme, mas não deixou de me incomodar o fato que autor que selecionou as narrativas que iriam compor a famosa versão de “As mil e uma noites”, deixa claro que tomou cuidado de tirar coisas que desagradariam seu público. Coisas essas que hoje em dia, provavelmente seriam mais bem recebidas que esse tipo de preconceito.

Mudam-se os tempos, muda-se aquilo que a sociedade considera certo ou errado. E os livros nos permitem acessar esses momentos. Doido, não?