Urdiduras — João Bastos de Mattos

Título: Urdiduras 
Autor: João Bastos de Mattos 
Editora: Patuá 
Páginas: 144 
Ano: 2022

Aos que acham marmelada eu resenhar o livro escrito pelo meu tio, sinto muito, mas eu não poderia deixar de falar sobre essa deliciosa obra que reúne diversos contos do autor.

O prefácio, escrito por Humberto Werneck, recebe o título de “Valeu a espera” e é exatamente essa a sensação que temos aos concluir a leitura. Como ficamos tanto tempo sem poder apreciar contos tão bons?

No entanto, não é só o prefácio que já nos deixa extremamente dispostos a mergulhar nesta leitura. Se analisarmos o título e a capa, percebemos muito da intelectualidade do autor. “Urdidura” é o ato ou efeito de “urdir”, isto é, “tramar, maquinar o desenvolvimento de algo” e ainda “compor o conteúdo, o enredo de uma obra de ficção” ou “pensar ou inventar algo na imaginação”.

Vale lembrar que a palavra “texto” também vem do “entrelaçamento, tecido”. Escrever nada mais é que tecer. Emendar e remendar palavras. E, assim como na imagem da capa, composta por um lindo e colorido patchwork — ou uma colcha de retalhos — Urdiduras nos oferece um tecido cheio de nuances e belas histórias.

Contribui muito para a leitura, também, a diagramação da obra: limpa e confortável de ler, com o livro impresso em papel de boa qualidade.

Mas vamos ao que interessa, certo? Os contos de Urdiduras estão divididos em cinco partes, que não necessariamente precisam ser lidas em ordem. Os textos são totalmente independentes um do outro, mas a verdade é que é difícil pegar o livro e ler apenas um.

As cinco partes, separadas sempre por uma folha preta — daquelas que facilmente identificamos, mesmo com o livro fechado, o que facilita muito —, recebem os seguintes títulos:

  • Que amor, que sonhos, que flores…
  • As traças da paixão
  • Ainda além da Taprobana
  • Allegro ma non troppo
  • Minhas memórias dos outros

Por esses títulos, umas vez mais, temos mostras da intelectualidade do autor. Vale ressaltar, contudo, que em momento algum a leitura fica enfadonha ou difícil de entender. Muito pelo contrário, aliás: com criatividade de sobra e uma linguagem instigante, cada conto torna-se único e saboroso.

Dentre as partes já mencionadas, acredito que a minha favorita seja a última, na qual o autor brinca com personagens e pessoas famosas, construindo histórias que nos fazem pensar que poderiam ser reais (será que não foram realmente?).

E, entre os contos dessa seção em específico, um dos que mais gostei foi aquele sobre Tarsila do Amaral — História de Tarsila, nascida e nascida —, que não poderia faltar numa obra de um autor capivariano como João Mattos.

“Não sei se algum dia tirei a limpo essa história. Pra mim, uma mulher como Tarsila podia muito bem ter nascido duas vezes”

Outros contos que destaco aqui são A linguagem dos sinais — cujo título me deu um leve susto, pois, vale lembrar, quando estamos falando de Libras (o que não é o caso aqui) devemos dizer Língua (e não linguagem) de Sinais — e Assassinato em Logan Manor, que nos faz lembrar do famoso jogo de tabuleiro “Detetive”. 

“Os sinais. Eu não soube ler”

Também me surpreendi muito com Dicionário analógico, conto que o autor dedica a Chico Buarque e que, não sei se por influência da dedicatória ou não, realmente me fez sentir uma certa sonoridade e notar um jogo de palavras bem típico do cantor e compositor.

Acho que com os contos que mencionei, também deu para perceber que a obra está recheada de referências (e olha que tantas outras eu não cheguei nem perto de pincelar aqui), levando a leitura deste livro para muito além de suas páginas. 

Se eu tiver despertado a sua curiosidade, não deixe de conhecer este livro, seja adquirindo seu exemplar no site da Editora Patuá ou, se este privilégio ainda for possível, diretamente com o autor, que sempre oferece muitas boas palavras para além daquelas já impressas em Urdiduras.

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Surpresas de Natal (Antologia)

Título: Surpresas de Natal
Organização: Equipe Lettre
Editora: Lettre
Páginas: 267
Ano: 2019

surpresas de natal blog

Para você que gosta desta época natalina e, mais ainda, de ler histórias de natal, a antologia Surpresas de Natal, da editora Lettre, é um prato cheio. Mas não se engane: nem tudo são flores nesta época em que esperamos paz, amor e prosperidade. E esse livro também está aqui para nos lembrar disso.

Com contos bem variados, que vão desde fantasias leves até thrillers, passando por romances hot, Surpresas de Natal é uma antologia capaz de agradar públicos diversos e nos surpreender com a escrita dos autores, muitos deles iniciantes. Mas, para abir uma antologia como essa, nada melhor que um poema que nos faça refletir. Assim, “Sem lareira” (Iara Melchor) é o primeiro texto deste livro.

Depois disso, por meio da forma como os contos foram organizados, passamos a navegar por estilos literários diversos, sem que a leitura caia na mesmice. Para quem gosta de histórias de amor mais leves, por exemplo, temos “Milagre de natal” (Crislaine Borges), “Tudo o que eu quero é você” (Vittoria D’Amato), “Os natalinos” (Rebeca dos Santos) — que provavelmente vai te fazer rir —, “O natal pode te surpreender” (Milena Santos) e “Os sinos tocavam” (Verônica Matioli). Agora, se você quer romance com uma pitada mais caliente, temos “Meu corpo ao teu” (Kadu Hammett), “O sedutor natalino” (Thamires Ricardo) e “Festa à fantasia” (Ana Carolina).

Para quem é mais radical e destemido(a) temos “Serial Killer do Natal” (Alda de Medeiros), “Seu desejo é uma ordem” (Simone Soares), “Espírito Natalino” (Larissa Oliveira) e “A carta de Noel” (Alessandra R. Abreu).

Há, ainda, um conto de fantasia mais leve e super gostoso de ler, que é “O natal dos Yroi” (Alessandra R. Abreu). Mas também há contos mais metafóricos, que abordam uma temática para além da natalina e que considero bem importantes e, tudo isso, usando da magia do natal para nos fazer refletir. É o caso de “O natal do bem e do mal” (Fabiane Rodrigues), que nos transmite uma linda mensagem de paz, e “O natal de Andesvil” (Adryelle Souza), que aborda um grande problema que parece assolar cada vez mais nossa sociedade.

Por fim, os contos que me deixaram com mais sensação de natal foram “A santa ceia” (Fabiane Rodrigues), “Amor no natal” (Alda de Medeiros) e, fechando com chave de ouro a antologia, “Cadê o papai Noel” (Ingrid Sousa), que além do espírito natalino, ainda nos faz pensar sobre as nossas vidas, com uma mensagem muito importante, ideal para nos fazer começar 2020 de maneira mais leve.

Se interessou por essa Antologia? Então clica aqui! E aproveite que ela está gratuita de 24/12 a 28/12/2019.

Faca na Língua — Eunice Mendes

Título: Faca na língua
Autora: Eunice Mendes
Editora: AGWM Editores
Páginas: 158
Ano: 2019

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Faca na língua é uma obra singular que nos traz contos variados e um projeto gráfico lindo; uma coletânea que nos faz refletir sobre a vida em seus mais diversos aspectos; um livro que surge da necessidade de colocar no mundo as palavras que estão dentro de nós.

“Acredito que as palavras podem ser janelas abertas para o amanhã”

(p.13)

A obra é dividida em três seções: Personificação, Alteridade e Persona. A seção de que mais gostei foi Personificação, que além de ser a primeira, já começa nos dando diversos tapas na cara.

“Silêncio traz verdades incômodas e impede de nos escondermos sob a luz da ignorância”

(p.19)

Por falar em gostar, alguns dos contos que mais chamaram minha atenção foram:

  • Silêncio: é o primeiro conto do livro, abrindo-o de forma impactante e reflexiva (o trecho acima foi retirado justamente deste conto);
  • Decreto: por retratar o peso daquilo que “profetizamos” aos outros;
  • Livre-arbítrio: pelo questionamento da obrigatoriedade do desejo e do prazer sexual;
  • Dança urbana: pelo retrato fiel de um horário de pico, em apenas duas linhas.

Esse são apenas alguns. Eu conseguiria destacar tantos outros, pois em diversos momentos ao longo da leitura tive de parar, respirar refletir. Os contos são de tamanhos diferentes e há inclusive uma página com três contos que mais parecem três poemas (não só pelo tamanho, mas também pela disposição no papel).

“A busca extenuante por respostas virou sua vida de cabeça para baixo”

(p.51)

Quando vamos chegando ao final do livro podemos ter a sensação de conhecer o eu lírico dos contos ou até mesmo a autora. Isso porque algumas temáticas vão e voltam, mas sem que fiquem repetitivas.

“Tinha se acostumado tanto a enxergar a vida pelo reflexo do espelho que se esquecia de continuar vivendo o dia a dia, retirar o lixo e entulhos, fechar portas e janelas. Acessava o mundo por meio daquela janela translúcida que dispensava a necessidade de atravessar barreiras ou pontes”

(p. 99)

Ao longo das páginas, portanto, nos deparamos com textos que falam sobre isolamento, preconceito, identidade (e a perda dela), envelhecimento, relações familiares e até dor nas costas.

“O homem deformado foi embora para sempre. A humanidade e seu aleijão permaneceram”

(p.47)
Para conhecer melhor esses contos, clique aqui.

Conto: O servo do rei — Juliana Lima

O conto O servo do rei faz parte da antologia Entre Amigos organizada por Giuliana Sperandio e publicada pela Editora Sinna

O servo do rei

O servo do rei nos traz a história de uma forte e secreta amizade entre dois jovens: o narrador e Dim. Seus nomes verdadeiros, no entanto, são desconhecidos até mesmo entre eles.

“O brilho em seus olhos era diferente da falta de brilho das outras garotas”

Como todo ser humano, porém, eles crescem e isso acaba por afastá-los aos poucos.

“Já éramos melhores amigos desconhecidos”

O amor que o narrador nutre por Dim está claro desde o começo, mas vai ganhando forma e intensidade com o passar da narrativa.

“Não sei o que sentia por ela antes, mas, depois que se afastou, entendi que não era algo bom. Doía — bons sentimentos não devem doer”

Como todo ser humano, também, esses dois jovens (já não tão jovens assim) são surpreendidos pelos acasos da vida.

“Tudo estava certo, menos o que me aguardava naquela tarde”

O servo do rei, além de falar sobre amizade e amor, fala sobre o poder que nos cega, e sobre vingança desmedida. Uma ótima história para nós fazer refletir.

E aproveitando que a Bienal carioca está chegando, se você quiser conhecer a autora Juliana Lima e seu novo livro, Contos de Fadas de Cabeceira, ela estará no estande da editora The Books (Estande R70 – Pavilhão Verde) no dia 07/09, às 13h00 autografando e distribuindo brindes.