Mil e uma noites depois… — Diário de leitura (21)

Sim, mesmo a mais longa das histórias uma hora acaba e com As mil e uma noites não poderia ser diferente. Esta obra me acompanhou por seis meses e eu confesso que, de início, eu tinha medo. Achei que poderia acabar abandonando a leitura, ou que ela seria mais arrastada que prazerosa.

A verdade é que me enganei. E claro, isso é ótimo! Em diversos momentos me vi querendo ler “só mais um pouquinho” para chegar ao final de uma das narrativas (que às vezes tinham o tamanho de uma noveleta) e, como vocês puderam acompanhar em meus diários de leitura, fiquei fascinada com o tanto de coisas que li, refleti e aprendi.

Para fechar as narrativas de As mil e uma noites temos A história das duas irmãs que invejavam a irmã mais nova. E já começo dizendo que essa inveja é muito “interessante”, porque ela é fruto simplesmente da realização dos desejos expressos por cada uma delas!

Numa bela noite, as três irmãs conversavam e uma disse que gostaria de se casar com o padeiro do Califa, para poder comer pães maravilhosos; a outra disse que gostaria de se casar com o cozinheiro do Califa e a mais nova, sonhando para além das duas, disse que preferia mil vezes casar com o próprio Califa.

Acontece que o Califa em pessoa (mas disfarçado) estava passando por ali e ouviu esse diálogo e resolveu atender aos desejos daquelas três mulheres, dando margem para a inveja das duas irmãs mais velhas.

O mais interessante da história é que, apesar desse acontecimento ser muito importante, o foco dela passa para outra coisa: os filhos que a irmã mais nova teve com o Califa. Sim, a história é mais sobre eles e a criação deles que qualquer outra coisa. Por quê?

Bem, porque as tais irmãs invejosas arquitetaram um plano para que pudessem fazer o parto da irmã mais nova e, nos três partos ocorridos, jogaram o recém-nascido num rio que passava perto do palácio e fingiam que irmã havia dado a luz a um animal qualquer.

Essas crianças jogadas no rio, na três vezes em que isso aconteceu, tiveram a sorte de ser resgatadas pelo jardineiro do palácio e foram muito bem educadas por ele. E é essa história que vamos acompanhando, até o surpreendente desfecho da narrativa, que une todas as pontas.

E, para encerrar a obra, há uma breve passagem que nos mostra um último diálogo entre Sherazade e o soberano, cuja fúria já foi completamente amenizada graças às histórias de sua esposa, acabando, assim, com a terrível lei que ele havia criado.

E, o que fica de tudo isso? Contar histórias salva vidas! Por isso, que nunca deixemos de contar nossas histórias e, mais ainda, de valorizar aqueles que se dedicam a isso!

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A riqueza de um clássico — Diário de leitura (6)

Depois das narrativas de Simbá, o marinheiro, que pareciam nunca acabar, cheguei em A história de Nunredin Ali e de Bedredin Hassan, que se estendeu da 93º noite até a 122º. Essa sim me cativou: mesmo sendo uma história relativamente extensa, eu sempre queria saber o que viria a seguir, visto que ela é cheia de encontros e desencontros.

Tudo começa com dois irmãos que cresceram muito unidos, mas que, em dado momento, brigaram. E, com essa briga, um deles decide partir e é aí que as coisas vão ficando mais e mais interessantes, até chegarmos ao surpreendente desfecho.

Por conta dessa narrativa, acabei pensando um pouco na diferença temporal que existe entre o momento que As mil e uma noites foram escritas e o momento em que as leio. As tecnologias que conhecemos hoje, e mesmo algumas mais rudimentares de anos atrás, teriam evitado muitos dos desencontros que vemos nesta história. Bem, na verdade ela provavelmente sequer existiria.

Por outro lado, há cenas que beiram ao absurdo nesta narrativa, como a manipulação que fazem com Bedredin Hassan para que ele acredite que tudo o que vivera não passara de um sonho. Parece absurdo não por ser impossível, mas porque todos parecem se divertir às custas desse episódio, inclusive Shahriar, o sultão que, noite após noite, escuta Sherazade.

“Shahriar não pôde deixar de rir por ter Bedredin Hassan tomado a realidade por simples sonho”

No meio dessa história, chegamos à 100º noite. E, na edição que tenho em mãos, há uma nota do tradutor:

“A 101º e a 102º noites, no original, passaram-se na descrição de sete vestidos e de sete adornos diferentes trocados pela filha do vizir Chemsedin Mohammed, ao som dos instrumentos. Como tal descrição não me pareceu agradável, e como também vem acompanhada de versos belíssimos em árabe, mas que nós não poderíamos apreciar, julguei conveniente não traduzi-las”

Uma nota como essa me faz lembrar a riqueza que essa obra possui. E como aqui no Brasil, até o momento, temos acesso a apenas uma parcela dela. E, ainda assim, olha o quanto de coisa é possível extrair dessas páginas. Não cheguei sequer à metade do primeiro livro (a edição que eu tenho é dividida em dois volumes), mas já fiz diversas reflexões diante do que li, além de ter conhecido muitas histórias cheias de detalhes.

Terminada A história de Nunredin Ali e de Bedredin Hassan, Sherazade se arrisca: o dia já estava amanhecendo e ela não teria tempo de dar início a uma nova narrativa, mas fala o seguinte para Shahriar:

“— Mas, senhor — acrescentou Sherazade, notando que o dia estava a despontar —, por mais agradável que seja a história que acabei de vos contar, sei outra que é muito mais. Se desejardes ouvi-la amanhã de noite, estou certo de que vos agradará”

Se funcionou? Bem, acredito que vocês já saibam a resposta, mas o resto eu deixo para contar somente na próxima semana…