Livros da Maria Eduarda Passos Freire

Acredito que você ainda não tenha ouvido falar de Maria Eduarda Passos Freire, mas espero que num futuro não muito distante isso mude.

A autora mirim e precoce — esses três livros foram publicados quando ela tinha cerca de 12 anos de idade — tem muito a nos fazer refletir sobre a Educação no Brasil.

E se engana quem acha que é apenas uma criança falando sobre Educação: em seus livros, Maria Eduarda deixa claro as fontes de onde bebe, incluindo, entre elas, ninguém menos que Paulo Freire.

Claro que há muito a ser amadurecido e aprofundado no repertório da jovem, mas as leituras desses livros são rápidas e nos enchem de esperança. Não espere uma leitura muito técnica, porque não é a isso que a autora se propõe (e nem deveria).

Os livros são bem simples, têm ares de livro infantil (letra grande, ilustrações coloridas) e as folhas são brancas e grampeadas, nos convidando a escrever sobre elas. 

Mesmo com essas edições econômicas e sem grandes luxos, é muito bacana ver que uma editora abriu suas portas para publicações como essas, dando a oportunidade para que Maria Eduarda compartilhasse de seu conhecimento e descobertas.

Traçarei um breve comentário sobre cada um dos três livros que li, além de trazer mais algumas informações técnicas sobre eles. Você pode adquirir seus exemplares no site da The Books Editora. E se quiser conhecer mais sobre a autora e incentivar o seu trabalho, não deixe de segui-la no Instagram.

O que é Educação de qualidade?

Páginas: 28 
Ano: 2020

Neste livro, a autora busca explicar o que é a Educação e o que temos de fazer para melhorá-la e valorizá-la.

É também aqui que Maria Eduarda nos revela querer ser professora e, em mais de um momento, menciona a importância de valorizarmos os profissionais da Educação.

Uma coisa que me chamou a atenção — mas que é compreensível, pois a mãe de Maria Eduarda é professora — foi a sensibilidade da jovem com relação à puxada rotina dos professores.

“Professor, aquele profissional incrível que acorda todos os dias cansado, exausto e, mesmo assim, vai trabalhar mais um dia para sobreviver”

Além disso, ela fala sobre o prazer de aprender, os valores que deveriam ser ensinados desde cedo, o sistema avaliativo (aqui ela faz críticas bem pertinentes, que desde cedo me questionei também), as matérias escolares (por outro lado, há aqui uma crítica que requer muito aprofundamento ainda, pois as coisas não são tão preto no branco), a importância de ler e o tempo da aprendizagem de cada um.

“Ser humilde não é você baixar a cabeça, concordar com tudo, não é isso, é apenas você não se achar melhor do que ninguém, sabendo que você não sabe de tudo”

O maravilhoso mundo da educação infantil

Páginas: 28 
Ano: 2020

Dentre os três volumes desta coleção, O maravilhoso mundo da educação infantil é o único que, além dos textos em que Maria Eduarda expõe suas reflexões, traz, também, alguns “pensamentos”, que nada mais são que frases que condensam as ideias ali expostas.

“Ser estimulado ajuda as crianças a acreditarem que têm a capacidade de aprender”

É interessante acompanhar, ao longo das páginas deste livro, a visão de uma jovem sobre a educação de crianças, principalmente nos anos iniciais da vida. Ela deixa, desde o início, clara a importância dessa fase e também o seu gosto por ela.

O que mais chama atenção é a noção que Maria Eduarda carrega de que cada criança tem seu tempo, mas que todas têm a capacidade de aprender, se adequadamente estimuladas a isso.

“Toda criança tem a capacidade de aprender, só que algumas demoram mais, outras demoram menos”

Aqui ela também usa termos muito importantes para essa fase da vida, e que demonstram um certo grau de conhecimento técnico sobre o tema. São palavras como afetividade, projetos, dinamismo, mudança, inclusão e formação continuada.

O maravilhoso mundo da educação de adultos

Páginas: 22 
Ano: 2020

Talvez eu deva recomendar que você comece a leitura destes livros por este volume. 

A verdade é que a ordem dos fatores não altera muito o produto (neste caso). Tanto é que tentei trazer as resenhas numa ordem que me pareceu lógica, mas é em O maravilhoso mundo da educação de adultos que Maria Eduarda fala mais sobre si mesma e sobre o contexto no qual vive.

Nesta obra a jovem fala sobre uma experiência concreta que realizou, de alfabetizar seus avós. E é daí que nascem tantas reflexões e tanto conhecimento técnico e prático da jovem.

“Isso pode acontecer com várias pessoas. Se bem trabalhada, a educação pode mudar vidas e tornar nosso mundo cada vez melhor!”

Ela começa o livro contando sobre como tudo começou e, em seguida, começa a compartilhar algumas das técnicas adotadas em sua missão.

É muito interessante ver como ela realmente montou não apenas um projeto educacional, mas uma espécie de escola, com coordenadora e tudo. E como ela foi testando estratégias e adaptando seu ensino aos alunos que tinha.

“É alfabetizar o aluno de acordo com o que ele convive”

Ainda resta espaço, na obra, para que Maria Eduarda projete seu futuro e nos conte, mais uma vez, sobre seus sonhos.

O que achou desses livros? Não deixe de me contar no comentários!

Ensinando a transgredir – bell hooks

Título: Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade
Original: Teaching to transgress
Autor: bell hooks
Editora: WMF Martins Fontes
Páginas: 283
Ano: 2017 (2º edição)
Tradução: Marcelo Brandão Cipolla

O livro Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade, escrito por bell hooks, é um livro de ensaios tanto para alunos quanto professores. Isso porque a autora fala sobre o tema apresentando tanto suas reflexões, quanto suas vivências com os mais diversos alunos e espaços de ensino.

“Com estes ensaios somo minha voz ao apelo coletivo pela renovação e pelo rejuvenescimento de nossas práticas de ensino”

Ensinando a transgredir (p.23)

Antes de falar sobre a obra, porém, gostaria de falar um pouco mais sobre a autora. Isso porque vocês talvez estejam se perguntando porque estou escrevendo o nome dela com iniciais minúsculas. Em primeiro lugar, trata-se de um pseudônimo: bell hooks é, na verdade, Gloria Jean Watkins. Mas se escrevo esse pseudônimo em letras minúsculas é porque está escrito assim na capa do livro. Intrigada com isso fui pesquisar e descobri que a autora faz isso para valorizar o conteúdo de suas obras e não a pessoa que as escreve.

“A sala de aula não é lugar para estrelas; é um lugar de aprendizado”

Ensinando a transgredir (p.216)

Para além desse curioso fato, bell hooks é uma escritora e professora universitária norte-americana nascida na zona rural do sul dos EUA. Se destaco esses elementos da biografia da autora é porque eles nos ajudam a compreender essa obra. Ela estudou em escolas públicas para negros, por ter crescido em uma época em que ainda havia segregação racial. Na adolescência, passou a estudar em escolas mistas e sentiu a discriminação com intensidade.

“Cheguei à teoria porque estava machucada — a dor dentro de mim era tão intensa que eu não conseguiria continuar vivendo”

Ensinando a transgredir (p.83)

A despeito de ser mulher, negra, pertencente à classe trabalhadora (assim denominada por seus conterrâneos), bell hooks prosseguiu seus estudos até o fim, tornando-se professora universitária, contrariando inclusive suas próprias expectativas.

“Eu tinha medo de ficar presa na academia para sempre”

Ensinando a transgredir (p.9)

O livro possui 14 capítulos, além de contar com uma interessante introdução. Os textos são bem diferentes uns dos outros e há dois capítulos em que há uma espécie de diálogo.

“A voz engajada não pode ser fixa e absoluta”

Ensinando a transgredir (p.22)

No primeiro desses capítulos em forma de diálogo, bell hooks dialoga consigo mesma. Mas esse capítulo merece destaque por outro motivo também: ele fala sobre Paulo Freire. Sim, o “nosso” Paulo Freire! Para bell hooks esse teórico é de grande importância em sua jornada, tendo sido uma enorme inspiração e salvação para a autora. Ainda assim, ela consegue analisar a obra de Paulo Freire de maneira crítica, o que torna esse capítulo ainda mais interessante.

O segundo “diálogo” do livro aparece somente no décimo capítulo, e se dá entre bell hooks e Ron Scapp. O título do capítulo é “A construção de uma comunidade pedagógica” e é delicioso de ler, pois dá para perceber que há muita química entre o pensamento deles.

“Queria incluir aqui esse diálogo porque ocupamos posições diferentes”

Ensinando a transgredir (p.176)

Em Ensinando a transgredir, bell hooks fala sobre muitas temáticas — como o a necessidade da pedagogia engajada, o multiculturalismo em sala de aula, a necessidade da teoria e o valor da prática, a experiência, a importância da língua, a primordialidade de levarmos em consideração que um professor não é somente uma mente, mas um corpo na sala de aula — mas, certamente, os temas que mais ganham espaço nessa obra são o feminismo e a questão negra. Ou, melhor ainda, o feminismo negro. Eu, que nada sei sobre o assunto, pude me beneficiar imensamente dessa leitura, mas confesso que me deliciei ainda mais com todas as reflexões sobre o ensino — e o ensino como prática da liberdade — presentes nessa obra.

“A educação como prática da liberdade é um jeito de ensinar que qualquer um pode aprender”

Ensinando a transgredir (p.25)

Ensinando a transgredir é uma leitura que eu sem dúvidas recomendo. Seja para professores que ainda têm medo/dúvidas sobre como ensinar de maneira transformadora/sensível/aberta, seja para alunos que estão acostumados demais a um ensino quadrado e pouco reflexivo. A primeira edição (em português) dessa obra é de 2013 e, no entanto, li como se tivesse sido escrita ontem. Um livro necessário em tempos de crise (na educação e no mundo).

Citações #2 — Pedagogia da Autonomia

As citações de hoje são de Pedagogia da Autonomia, escrito por Paulo Freire. As páginas são da edição de 2016, da Editora Paz e Terra. Um livro que, como o próprio título já diz, fala de propostas pedagógicas necessárias à uma educação que construa a autonomia dos estudantes. As citações que escolhi mostram um pouquinho das ideias do autor.

“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (p.25).

Isso quase dá um nó na nossa cabeça, não? Mas é bem simples, se pararmos para pensar: quando ensinamos algo a alguém estamos, ao mesmo tempo, aprendendo melhor aquilo (diz-se que a melhor maneira de aprender algo é ensinando). Por outro lado, a pessoa que está aprendendo, está, ao mesmo tempo, ensinando algo, inclusive, nos ensinando a ensinar. Louco, não?

Há, ainda, outra citação que acho muito importante e que, aparentemente, esquecemos muito nos dias de hoje:

“E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiados certos de nossas certezas” (p.29)

Por que a gente sempre acha que tem que ter razão e que são os outros que não entendem os nossos argumentos? Mais mente aberta e menos briga desnecessária!

“Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor” (p.43)

Quem nunca teve um professor que marcou sua vida ou até mesmo que mudou completamente algo em você? Ou ainda, ampliando a citação: quem nunca conheceu alguém que mudou a sua vida? Todos nós temos o poder de transformar, para o bem ou para o mal, a vida daqueles que estão ao nosso redor. Por isso devemos ser cuidadosos com nossas palavras e ações.

Voltando ao Paulo Freire, vamos entender melhor uma parte de sua visão sobre a educação. Para isso, acredito que a próxima citação possa ser de grande ajuda:

“Me movo como educador, porque primeiro me movo como gente” (p.92)

Não importa qual é a nossa profissão, precisamos, em primeiro lugar, sermos humanos uns com os outros. E professores, evidentemente, não ficam de fora dessa, até porque estão constantemente lidando com outros seres humanos, seres que carregam histórias, dores, alegrias. Seres que são sensíveis.

E falando em sensibilidade, para terminar:

“Precisamos aprender a compreender a significação de um silêncio, ou de um sorriso, ou de uma retirada da sala” (p.95)

Costumo ampliar o sentido dessa passagem também, pensando que nós nunca sabemos exatamente o que está se passando na vida das outras pessoas e que, por isso, a compreensão (ou a empatia) é tão necessária para um bom viver em sociedade.