Storia del nuovo cognome — Elena Ferrante

Título: Storia del nuovo cognome 
Título em português: História do novo sobrenome 
Autora: Elena Ferrante 
Editora: Edizioni E/O 
Páginas: 470
Ano: 2020 (29º reimpressão)

Ano passado eu tive (enfim!) a oportunidade de ler o primeiro livro da tetralogia escrita por Elena Ferrante e desde janeiro deste ano estive lendo o segundo volume, cujo título è Storia del Nuovo Cognome.

A leitura talvez tenha sido um pouco demorada, mas não poderia ser diferente, não apenas pelo tamanho do livro — ainda que ele pareça maior do que é, devido às páginas mais grossas —, mas principalmente pelo peso que a própria história tem. E eu provavelmente não conseguirei colocar em palavras tudo o que gostaria, mas tentarei, porque justamente esse volume dá ainda mais ênfase à importância da palavra. Falarei principalmente dos temas da obra, mas também tentarei abordar outros aspectos que a compõem.

“Queria obrigá-la a nomear as coisas. Queria que ela entendesse bem o que estava me dizendo”

E antes de começar, gostaria de lembrar que os quotes que utilizarei ao longo deste resenha foram traduzidos por mim e que, ao final, você encontrará a versão original deles, na sequência que aparecerem aqui.

Também gostaria de comentar que realizei essa leitura ao mesmo tempo que uma amiga (a Nati) e isso com certeza me abriu os olhos para tantas outras questões que eu não sei nem por onde começar a compartilhar tudo isso. Mas vamos do começo mesmo, né?

“Tudo é interessante se você sabe trabalhar isso”

Tive um pouco de dificuldade com o início deste livro, pois Lenù — a narradora — me parecia um pouco mais insuportável e petulante. Aos poucos, contudo, fui enxergando a melancolia, a dor e a solidão que permeavam suas ações e palavras.

“Eu tinha muitas ansiedades e a impressão de estar sempre errada, não importando o que eu fizesse”

Já adianto que a partir daqui será difícil não trazer spoilers, principalmente com relação ao primeiro volume. Feito o alerta, continue a leitura desta resenha por sua conta e risco.

O spoiler, aliás, já começa no título deste livro: o novo sobrenome é aquele que Lila recebe ao se casar com Stefano, coisa que acontece justamente ao final de A amiga genial. E aqui temos a primeira grande temática desta narrativa: o casamento.

“Me casar não significa ter uma vida de velha. Se ele quiser vir comigo, bom, mas se, por outro lado, está cansado demais à noite, saio sozinha”

Vale lembrar que a maioria dos personagens desta história — a narradora inclusive — encontra-se numa faixa etária entre 15 e 25 anos. São extremamente jovens, mas vivem (e têm de viver) como se fossem tão mais velhos e maduros.

“Mas a condição de esposa a havia fechado em uma espécie de redoma de vidro, como um veleiro que navega a todo vapor para um espaço inacessível, até mesmo sem mar”

O casamento, num primeiro momento, talvez seja o grande causador da crise na amizade de Lila e Lenù, ainda que, conforme avançamos na leitura, percebamos que existem muitos motivos para o distanciamento delas e as rupturas nessa amizade tão complicada (e, de novo, por vezes bem tóxica).

“Nada de rupturas, portanto não escaparíamos juntas pelas estradas do mundo”

O tema do casamento nos leva a outro muito presente neste volume: a violência. Não somente física, mas também psicológica. Ambas têm seu pesado espaço nas linhas deste livro e moldam as relações que observarmos.

“Claro, a explicação era simples: havíamos visto os nossos pais baterem nas nossas mães desde a infância. Havíamos crescido pensando que um estranho não podia nem mesmo esbarrar em nós, mas que os pais, o namorado e o marido podiam nos agredir quando quisessem, por amor, para nos educar, para nos reeducar”

Desde o primeiro livro, vejo a Lila como uma pessoa extremamente tóxica, principalmente para a Lenù. Mas o quanto disso não é fruto da sociedade em que elas vivem, ao mesmo tempo em que funciona, também, como um mecanismo de defesa?

“Quando reencontrei Lila, logo percebi que ela não estava bem e que tendia a me fazer mal também”

A amizade, aliás, é outra temática de grande força neste volume, uma vez que Lenù parece cada vez mais ser dar conta da maldade de Lila, ao mesmo tempo que não consegue viver sem ela (e ela percebe e reforça isso algumas vezes ao longo da narrativa).

“Mas Lila sabia bem como me atrair para as suas coisas. E eu não era capaz de resistir: de um lado dizia ‘basta’, de outro me deprimia com a ideia de não fazer parte da sua vida, do seu modo de se tornar”

Os conflitos entre elas aumentam nesta fase da vida e Lenù realmente chega a viver um tempo afastada. Mas nada parece capaz de amenizar essa relação… tóxica (desculpa, não consigo enxergar de outra forma, ao menos não ainda).

“Quanto a mim, decidi que daquele momento em diante viveria me ocupando apenas de mim, e a partir do retorno a Napoli foi exatamente o que fiz, impondo-me um comportamento de total afastamento”

Todos esses acontecimentos nos levam a outras temáticas que aparecem com força neste livro e que não posso deixar de mencionar aqui, como a sensação de despertencimento e a capacide de ir além, vividos por Lenù, mas não apenas.

“Sabia estar com aquelas pessoas, estava melhor que com os amigos do bairro em que cresci”

É impressionante como a maioria dos personagens, de alguma maneira, parece fazer parte e, ao mesmo tempo, parece perdido naquela realidade. É como se as peças não se encaixassem ali.

“Não é possível que eu reste prisioneira para sempre deste lugar e dessa gente”

Se por um lado todos os personagens têm sua cota de despertencimento ao bairro, Lenù é a que mais acaba se destacando e isso é notável inclusive na forma que todos a tratam: quanto mais o tempo passa, mais fica evidente o quanto as pessoas respeitam Lenù e a buscam quando precisam de palavras sábias, seja para acalmar ânimos, seja para ajudar na tomada de decisões.

“De que serviam os anos de escola e faculdade dentro daquela cidade?”

Outro ponto relacionado aos estudos que chamou minha atenção está na questão de que este nos ajuda a mudar de vida. Se por um bom tempo a leitura de Storia del nuovo cognome retrata muitas peculiaridades da realidade italiana, há passagens, principalmente ao final, que poderiam retratar a vida de muitas famílias brasileiras.

“Um pouco antes dos vinte e três anos eu era nada menos que doutora, tinha uma graduação em Letras, com nota máxima e mérito. Meu pai não havia ido além do quinto ano, minha mãe havia parado no segundo, nenhum dos meus antepassados, até onde eu sabia, havia aprendido a ler e escrever corretamente”

E claro que isso também escancara ainda mais a situação em que se vive no bairro em que se passa a história e nos faz enxergar, com maior clareza, muitas coisas do primeiro livro.

“A professora considerava óbvio que eu normalmente fizesse coisas que na minha casa, no meu ambiente, não eram de fato normais”

Os estudos de Lenù também reforçam, e isso aparece em diversas partes da narrativa, a distância que há entre o uso do italiano em detrimento do dialeto e viceversa. E essa é uma questão que talvez só quem realmente conhece um pouco da história da língua italiana pode entender.

Mas se eu tivesse de falar sobre apenas um tema central (depois de tudo isso que eu já falei? Sim), para este volume eu escolheria o amor. Ou os sentimentos humanos em geral, mas dando ênfase ao amor. Só não se engane: não estou falando daqueles amores de histórias água com açúcar e acho que isso já ficou claro até aqui, certo?

“As horas passaram, mas foi impossível aceitar que ele fosse tão profundo no lidar os grandes problemas do mundo, quanto superficial nos sentimentos amorosos”

Isso porque a trama é recheada de brigas de casal (não preciso nem dizer que a relação entre Stefano e Lila é extremamente complicada, né?), traições e rompimentos.

“E por mais que nós, meninas do bairro, desde pequenas quiséssemos nos tornar esposas, de fato, crescendo havíamos sempre simpatizado com as amantes, que nos pareciam personagens mais maleáveis, mais combativas e, principalmente, mais modernas”

Outro elemento que se sobressai neste volume é o fato de que, sendo a história narrada em primeira pessoa, totalmente por Lenù, ela torna-se cada vez mais uma narradora pouco confiável.

“Não sabia nada além disso, mas na escola havia aprendido a fazer com que acreditassem que eu sabia muito”

Em Storia del nuovo cognome continuam existindo muitos personagens, o que requer uma leitura cuidadosa para não se perder.

Além disso, o período em que se passa essa história vai de cerca dos 14 aos 19 anos de Lenù, com um longo período passado novamente a Ischia.

“Quer continuar sendo jovem, não sabe ser mulher”

A sucessão de acontecimentos é uma loucura: a cada nova página são inúmeros fatos que nos surpreendem, nos deixam de boca aberta, nos fazem prender a respiração. Não à toa eu não sabia muito bem como trazer tudo isso para cá.

“Basta um instante para mudar sua vida disto para aquilo”

Apesar de doloroso, e por vezes difícil, Storia del nuovo cognome é uma excelente continuação de L’amica geniale e ele é capaz de deixar o leitor ainda mais estarrecido e ansioso pelo que vem a seguir. Não vejo a hora de saber onde tudo isso vai dar.

Para encerrar, e como prometido, deixo aqui os trechos originais que usei ao longo desta resenha.

“Volevo obbligarla a nominare le cose. Volevo che capisse bene ciò che mi stava dicendo”

“Tutto è interessante se sai lavorarci”

“Avevo troppe ansie e l’impressione di essere sempre in errore, qualsiasi cosa facessi”

“Sposarmi non significa fare una vita da vecchia. Se lui vuole venire con me bene, se invece la sera è troppo stanco, esco da sola”

“Ma la condizione di moglie l’aveva chiusa in una sorta di recipiente di vetro, come un veliero che naviga a vele spiegate in uno spazio inaccessibile, addirittura senza mare”

“Niente fratture, dunque, non saremmo scappate insieme per le strade del mondo”

“Certo, la spiegazione era semplice: avevamo visto i nostri padri picchiare le nostre madri fin dall’infanzia. Eravamo cresciute pensando che un estraneo non ci doveva nemmeno sfiorare, ma che il genitore, il fidanzato e il marito potevano prenderci a schiaffi quando volevano, per amore, per educarci, per rieducarci”

“Quando rividi Lila, mi resi subito conto che non stava bene e che tendeva a far star male anche me”

“Ma Lila sapeva bene come tirarmi dentro alle sue cose. E io non ero capace di resistere: da un lato dicevo basta, dall’altro mi deprimevo all’idea di non essere parte della sua vita, del suo modo d’inventarsela”

“Quanto a me, decisi che da quel momento sarei vissuta occupandomi soltanto di me, e a partire dal ritorno a Napoli così feci, mi imposi un atteggiamento di assoluto distacco”

“Sapevo stare con quella gente, ci stavo meglio che con i miei amici del rione”

“Non è possibile che io resti prigioniera per sempre di questo posto e di questa gente”

“A cosa servivano gli anni del ginnasio, del liceo, della Normale, dentro quella città?”

“Poco prima dei ventitré anni ero nientemeno dottoressa, avevo una laurea in lettere, centodieci e lode. Mio padre non era andato oltre la quinta elementare, mia madre s’era fermata alla seconda, nessuno dei miei antenati, per quel che potevo sapere, aveva mai saputo leggere e scrivere correttamente”

“La professoressa dava per scontato che io facessi di norma qualcosa che a casa mia, nel mio ambiente, non era affatto normale”

“Passarono le ore, ma mi fu impossibile accettare che fosse tanto profondo nell’affrontare i grandi problemi del mondo, quanto superficiale nei sentimenti d’amore”

“E per quanto noi ragazze del rione sin da piccole volessimo diventare mogli, di fatto, crescendo, avevamo simpatizzato quasi sempre con le amanti, che ci parevano personaggi più mossi, più combattivi e soprattutto più moderni”

“Non sapevo nient’altro, ma a scuola avevo imparato a far credere che sapessi moltissimo”

“Vuole restare ragazza, non sa fare la moglie”

“Basta un attimo a cambiarti la vita da così a così”

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