Laços de família — Clarice Lispector

Título: Laços de família 
Autora: Clarice Lispector 
Editora: Rocco 
Páginas: 135 
Ano: 1998

SINOPSE

O texto de Clarice Lispector costuma apresentar ilusória facilidade. Seu vocabulário é simples, as imagens voltam-se para animais e plantas, quando não para objetos domésticos e situações da vida diária, com frequência numa voltagem de intenso lirismo. Mas que não se engane o leitor. Em poucas linhas, será posto em contato com um mundo em que o insólito acontece e invade o cotidiano mais costumeiro, minando e corroendo a repetição monótona do universo de homens e mulheres de classe média ou mesmo o de seres marginais. Desse modo, o leitor defronta-se com a experiência de Laura com as rosas e o impacto de Ana ao ver o cego no Jardim Botânico. Pequenos detalhes do cotidiano deflagram o entrechoque de mundos e fronteiras que se tornam fluidos e erradios, como o que é dado ao leitor a compreender acerca da relação de Ana, seu fogão e seus filhos, ou das peregrinações de uma galinha no domingo de uma família com fome, ou do assalto noturno de misteriosos mascarados num jardim de São Cristóvão. E, como se pouco a pouco se desnudasse uma estratégia, o cotidiano dos personagens de Laços de família, cuja primeira edição data de 1960, vai-se desnudando como um ambiente falsamente estável, em que vidas aparentemente sólidas se desestabilizam de súbito, justo quando o dia a dia parecia estar sendo marcado pela ameaça de nada acontecer.

Nesta coletânea de contos, os personagens – sejam adultos ou adolescentes – debatem-se nas cadeias de violência latente que podem emanar do círculo doméstico. Homens ou mulheres, os laços que os unem são, em sua maioria, elos familiares ao mesmo tempo de afeto e de aprisionamento.

LUCIA HELENA, Pós-Doutorada em Literatura Comparada pela Brown University, EUA, e autora do livro Nem musa, nem medusa: Itinerários da escrita em Clarice Lispector

RESENHA

Laços de família é um daqueles livros que futuramente pedirão uma releitura, para melhor absorção dos detalhes e de sua profundidade. Por enquanto, ficamos com as impressões desta primeira leitura.

A obra é uma coletânea de contos que mergulha nas complexidades e sutilezas das relações familiares e interpessoais. Através de uma prosa poética e trazendo uma profundidade psicológica cativante, a autora nos presenteia com uma obra-prima que nos coloca diante de questionamentos existenciais profundos.

“Ela sentia vergonha de não confiar neles, que eram cansados”

Preciosidade

Publicado originalmente em 1960, o livro recebeu uma edição pela Editora Rocco (que foi a que eu li, mas diferente da que colocarei ao final desta resenha), que soube preservar a qualidade literária e estética característica da autora. A capa minimalista, com traços que evocam a introspecção e o enigma — retratando sobretudo o conto Feliz aniversário, um dos meus preferidos — convida o leitor a adentrar nesse universo peculiar criado por Lispector.

“Fora inútil recomendarem-lhes que nunca falassem no assunto: eles não falavam mas tinham arranjado uma linguagem de rosto onde medo e confiança se comunicavam, e pergunta e resposta se telegrafar mudas”

A imitação da rosa

A obra é composta por treze contos que abordam uma ampla gama de temas, todos eles intrinsecamente ligados, como dito, aos relacionamentos humanos. Em Devaneio e embriaguez duma rapariga, somos levados a refletir sobre a fragilidade do amor e as fantasias que nos envolvem. Já em Amor, acompanhamos a trajetória de Ana, uma mulher presa em um casamento infeliz, que anseia por uma conexão verdadeira e intensa. E em O búfalo, amor e ódio se misturam diante de uma dolorosa decepção amorosa

“Eu te amo, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não querê-la. Eu te odeio, disse implorando amor ao búfalo”

O búfalo

O cenário dos contos é sempre muito realista e a maioria das histórias se passa em cidades, sobretudo no Rio de Janeiro. Também há diversos contos com um cenário mais intimista, como a sala de uma casa. É o que acontece, por exemplo, em Feliz aniversário. Neste conto somos apresentados à personagem Lorena, que, durante uma festa, se depara com a solidão e o vazio existencial que permeiam sua vida.

No conto que dá nome à obra, Os laços de família, nos vemos diante da complexidade das relações familiares e a dificuldade de comunicação entre os membros de uma mesma família, explorando os sentimentos de ressentimento, amor e compreensão que coexistem nesse contexto.

“Sempre doía um pouco ser capaz de rir”

Os laços de família

Outras narrativas igualmente marcantes, para mim, foram A imitação da rosa, que narra a história da submissa Laura; O jantar, que acompanha uma família em um jantar que revela as tensões subjacentes entre seus integrantes; e A menor mulher do mundo, que trata do choque entre duas realidades tão distintas e diante de verdades tão diferentes daquelas que esperamos.

Em ordem, os contos que compõem a obra são:

  • Devaneio e embriaguez duma rapariga
  • Amor
  • Uma galinha
  • A imitação da rosa
  • Feliz aniversário
  • A menor mulher do mundo
  • O jantar
  • Preciosidade
  • Os laços de família
  • Começos de uma fortuna
  • Mistério em São Cristóvão
  • O crime do professor de matemática
  • O búfalo

Clarice Lispector, com sua prosa única e sua habilidade em explorar os recantos mais profundos da alma humana, nos leva, por meio deste livro, a uma jornada íntima e introspectiva. Seus personagens são complexos e seus diálogos, repletos de silêncios e subtextos, são verdadeiras joias literárias. Os contos, aparentemente simples, revelam-se como verdadeiros microcosmos de reflexão e questionamento sobre a condição humana.

“Não ser devorado é o objetivo secreto de toda uma vida”

A menor mulher do mundo

Laços de Família é uma obra-prima da literatura brasileira, nos convidando a mergulhar nas profundezas da alma humana e a refletir sobre nossas próprias relações e anseios. Uma obra indispensável para os amantes da literatura, da nossa cultura e, sobretudo, da complexidade do ser.

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2 comentários em “Laços de família — Clarice Lispector

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