Maria, Maria – Milton Nascimento

Maria, Maria Milton Nascimento

Hoje eu quis trazer para vocês uma música que não podemos deixar passar em branco: Maria, Maria, de Milton Nascimento, em parceria com Fernando Brant. Tal canção faz parte do álbum Clube da Esquina 2 e foi lançada em 1978 (mas é atemporal).

Na música, vemos descrita uma Maria que pode ser qualquer Maria. E mais que isso: pode ser qualquer mulher. A tal da Maria é uma pessoa que batalha, que tem força e que, apesar de tudo, tem fé na vida. Maria também tem o direito de amar e de sonhar, mesmo que a vida seja dura.

A escolha do nome da música pode ter sido motivada por dois fatores: o fato de Maria ser um nome comum no Brasil e também porque este é, inclusive, o nome da mãe de Milton Nascimento, uma Maria que também batalhou muito na vida.

É fácil visualizar as mulheres se emocionando com esta canção, que em tão pouco fala tanto. E, não à toa, essa música toca em muitos lugares e já foi regravada por muitas pessoas, inclusive cantoras como Elis Regina (mãe de uma Maria também).

Vamos à letra?
Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta
Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta
Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê
Hei! Hei! Hei! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!
Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho, sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê
Hei! Hei! Hei! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!
E, para ouvir, deixo aqui um clipe novo (de 2018) e lindíssimo. A música foi regravada por Milton Nascimento no cd A festa, e, por isso, ganhou esse clipe incrível e emocionante:
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O bêbado e o equilibrista – João Bosco & Aldir Blanc

bêbado

O bêbado e o equilibrista  é mais uma música importante  na História do Brasil e também ficou famosa na voz de Elis Regina (não deixe de conferir Como nossos pais). Esta música foi lançada em 1978 e, apesar do forte teor político, nasceu do desejo de João Bosco em homenagear Charles Chaplin (explicitamente citado na figura de Carlitos), que havia morrido no Natal do ano anterior.

Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos
A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel

Passados 40 anos dessa música, não podemos negar que ela ainda carrega certa atualidade, presente desde sua primeira frase: “caía a tarde feito um viaduto”. Quem mora em São Paulo ou acompanha as notícias daqui sabe que muitas pontes precisam de manutenção urgente e que, recentemente, numa madrugada de novembro, um viaduto cedeu e encontra-se interditado até hoje.

Mas O bêbado e o equilibrista tornou-se hino da anistia por ter uma letra extremamente representativa.

E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil

Na canção, o “mata-borrão” é, na realidade, um “apelido” dado ao DOI-CODI, o órgão máximo da repressão que existiu durante a ditadura militar brasileira. Sua função era combater os “inimigos internos”. Era o DOI-CODI, portanto, que originava as “manchas torturadas”.

Um nacionalismo exacerbado, a ponto de fazer “irreverências mil” só era imaginável na figura de um bêbado, e a figura do chapéu-coco nos remete, novamente, a Charles Chaplin em seu personagem bêbado, Carlitos.

Meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil

Esses são, em minha opinião, os versos mais importantes e históricos dessa música, versos em que entram verdadeiras figuras brasileiras que marcaram o período de lutas:  o “irmão do Henfil” era Betinho, ativista brasileiro que lutou pela reforma agrária e ficou muito conhecido pelo projeto “Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida”; as “Marias” poderiam ser tantas mulheres, aqui representadas pela mãe de Manuel Fiel Filho, torturado e morto durante a ditadura militar; o mesmo acontece com as “Clarisses”, mulheres representadas pela figura da esposa do jornalista Vladimir Herzog, também torturado e morto durante a ditadura. As lágrimas, portanto, não precisam ser explicadas.

Mas sei que uma dor assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar

Se voltarmos ao título da música veremos que além do bêbado, que já apareceu algumas vezes na canção, temos também a imagem de um equilibrista. Apenas nos versos finais chegamos a essa personagem: o que se equilibra, apesar de tudo, é a esperança. Na tênue linha que existe, a esperança resiste, ainda que o futuro seja imprevisível.

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar

Ao trazer a figura de Carlitos e do equilibrista, esta música reúne imagens do campo artístico, que é um dos primeiros a sofrer em tempos de repressão. Mas “o show de todo artista tem que continuar” e eles o fazem com maestria, mesmo diante das situações mais desfavoráveis.

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Como nossos pais – Belchior

Como nossos pais

Hoje dou início a mais um tipo de post por aqui: comentários e/ou um pouco da história por trás das músicas que eu mais gosto. Começo com “Como nossos pais”, porque essa música  — não à toa — ecoou dias e dias em minha cabeça.

A música que ficou famosa na voz de Elis Regina, foi composta e lançada por Belchior, no álbum “Alucinação”, de 1976. Elis Regina a gravou no mesmo ano, em seu álbum “Falso Brilhante”.

Não quero lhe falar, 
Meu grande amor, 
Das coisas que aprendi 
Nos discos
Quero lhe contar como eu vivi 
E tudo o que aconteceu comigo

1976, o ano que não terminou. O ano em que “misteriosamente” dois populares ex-presidentes morreram em menos de 4 meses: Juscelino Kubitschek em 23 de agosto e João Goulart em 6 de dezembro.

Viver é melhor que sonhar 
Eu sei que o amor 
É uma coisa boa 
Mas também sei 
Que qualquer canto 
É menor do que a vida 
De qualquer pessoa

1976, o ano que antecedeu golpes ainda maiores à democracia brasileira (em 1977 Geisel chegou a fechar o Congresso Nacional), que já sofria desde 1964, quando os anos de chumbo começaram. E foi em 1976 que Castello Branco tornou as eleições para governador indiretas e os prefeitos passaram a ser escolhidos pelos governadores (já imaginaram a beleza disso, não?).

Como nossos pais retrata a desilusão que boa parte da juventude brasileira sentia naqueles anos tão sombrios. E olha que a música foi lançada um ano antes de grandes conflitos entre polícia e estudantes.

Por isso cuidado meu bem 
Há perigo na esquina 
Eles venceram e o sinal 
Está fechado para nós 
Que somos jovens
Para abraçar seu irmão 
E beijar sua menina na rua 
É que se fez o seu braço, 
O seu lábio e a sua voz

Mesmo diante de um cenário tão difícil, porém, a música ainda consegue trazer certo ar de esperança. Acho que esse foi um dos principais motivos pelos quais a deixei repetindo sem parar em minha mente.

Você me pergunta 
Pela minha paixão 
Digo que estou encantada 
Como uma nova invenção 
Eu vou ficar nesta cidade 
Não vou voltar pro sertão 
Pois vejo vir vindo no vento 
Cheiro de nova estação 

E como já deu para notar em algumas passagens anteriores, a  música também fala de amor. Afinal, falar de juventude e não falar de amor é uma missão quase impossível, não?

Já faz tempo 
Eu vi você na rua 
Cabelo ao vento 
Gente jovem reunida 
Na parede da memória 
Essa lembrança 
É o quadro que dói mais

O que mais me impressiona em Como nossos pais é o fato de que ela é ainda tão atual, outro motivo pelo qual a repeti incessantemente durante o período das eleições. Ela me parece uma alerta, um pedido para que possamos abrir nossos olhos. E, novamente, ela nos dá vontade de ter fé que as coisas podem ser melhores. É isso que esperamos, não?

Minha dor é perceber 
Que apesar de termos 
Feito tudo o que fizemos 
Ainda somos os mesmos 
E vivemos 
Ainda somos os mesmos 
E vivemos 
Como os nossos pais

Nossos ídolos 
Ainda são os mesmos 
E as aparências 
Não enganam não 
Você diz que depois deles 
Não apareceu mais ninguém 
Você pode até dizer 
Que eu estou por fora 
Ou então 
Que eu estou inventando

Mas é você 
Que ama o passado 
E que não vê 
É você 
Que ama o passado 
E que não vê 
Que o novo sempre vem

Mas mesmo tendo trechos de esperança e de amor, Como nossos pais também fala sobre imobilidade, sobre impotência. Uma música que consegue englobar também aqueles que desistiram de lutar por um bem maior e passaram a lutar por um bem próprio: a segurança e o acúmulo de dinheiro.

Hoje eu sei 
Que quem me deu a ideia 
De uma nova consciência 
E juventude 
Tá em casa 
Guardado por Deus 
Contando vil metal

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