Contos Russos – Tomo I e II (parte 4)

Para quem ainda não viu, antes desse post há também o Contos Russos – Tomo I e II parte 1, parte 2 e parte 3. Não deixe de conferir! Nesta parte 4 começarei a falar sobre os contos do tomo II, que traz apenas duas narrativas: O primeiro amor (Ivan Turguênev) e Lady Macbeth do distrito de Mtsensk  (Nikolai Leskov).

Ivan Serguéievitch Turguênev é um romancista e contista russo de renome internacionalO primeiro amor foi publicado em 1860 e pertence ao realismo russo. Trata-se de uma história dentro de outra história: no início, alguns amigos estão conversando e decidem relembrar seu primeiro amor:

“- O meu primeiro amor não pertence, de fato, à categoria de amores banais”

Contos Russos – Tomo II (p.20)

A partir dessa fala, inicia-se a segunda história, que é, na realidade, a maior narrativa do conto. Nos deparamos, então, com as aventuras e desventuras de Vladimir Petróvitch, um garoto de 16 anos, filho único de uma família complicada: sua mãe é uma mulher frustrada e nervosa, que vive descontando suas raivas em Vladimir e seu pai é um homem educado, mas distante do filho e, no geral, frio.

A vida do jovem começa a mudar quando eles vão morar em uma casa de veraneio nos arredores de Moscou e ele conhece Zinaída Alexándrovna, uma linda jovem de 21 anos, filha de uma princesa falida. Mãe e filha moram em uma propriedade vizinha à de Vladimir, em uma casa suja e bagunçada, o que as torna desprezíveis aos olhos da mãe do protagonista.

O garoto, por sua vez, aproxima-se mais e mais dessa família de modos e estilo de vida tão diferentes dos dele. Além disso, ele rende-se totalmente ao amor que sente pela moça, seu primeiro grande amor, entregando-se aos seus próprios sentimentos, em uma história que poderia ser caracterizada como pertencente ao romantismo, não fosse seu realista final, que nada tem de “e viveram felizes para sempre”.

“E toda a história aconteceu porque a gente não sabe recuar na hora certa, romper as redes”

Contos Russos – Tomo II (p.110)

Além disso, é evidente durante toda a narrativa que Zinaída é uma moça que tem total consciência de sua beleza e de seus poderes de conquista, mantendo-se sempre no controle da situação.

Enquanto vive seu amor platônico por Zinaída, Vladimir Petróvitch perde completamente o controle de sua própria vida. É somente quando se afasta dela que ele consegue retomar seus estudos e seu rumo.

A história é narrada em primeira pessoa, pelo próprio Vladímir, mas também apresenta diálogos simples e diretos. A leitura, portanto, não é difícil, ainda mais por se tratar de uma tema conhecido e vivido por todos nós.

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Contos Russos – Tomo I e II (parte 3)

Antes de ler este post, leia também: Contos Russos – Tomo I e II (parte 1)Contos Russos – Tomo I e II (parte 2).

Neste terceiro post sobre a coletânea organizada pela editora Martin Claret, chegamos aos dois últimos contos do Tomo I, que, relembrando, apresenta textos da época do Romantismo e do Sentimentalismo russo.

Dessa vez, trarei a vocês os contos Vyi O capote, escritos por Nikolai Gógol, notável por sua prosa fantástica, histórica e satírica, elementos que podemos encontrar nas histórias aqui apresentadas.

Vyi, publicado em 1835, traz no título o nome de uma criação terrível do imaginário popular russo. E quando o conto começa, o leitor não tem nem ideia do tipo de história que o aguarda.

Esse conto nos mostra muitos elementos da cultura e dos costumes russos, a começar pela descrição da escola russa e do retorno dos estudantes às suas casas. O narrador, então, se concentra em três amigos – o teólogo Khaliava, o filósofo Khomá e o retor Tibêri – que buscam um lugar para passar a noite.

Quando encontram tal lugar, porém, o verdadeiro horror começa e Khomá torna-se o personagem “principal”, contracenando com a terrível bruxa, uma velha que transforma-se em uma linda moça durante o dia.

Depois de uma das primeiras cenas assustadoras dessa história, passamos a conhecer melhor a jovem filha de um rico cossaco que, à beira da morte, pede que Khoma leia os salmos durante três noites após sua morte. Quando o tal cossaco procura o jovem e lhe explica o desejo da jovem, este nada entende, mas não tem escapatória. O conto, então, passa a narrar os três dias de Khoma, a rotina dele na casa do cossaco, suas tentativas de fuga e suas três noites de puro terror.

Por outro lado, o conto O capote, publicado em 1842, também tem uma pegada de terror, mas somente mais para o final da história, que, como sempre, é surpreendente. O narrador, em alguns momentos, dialoga com o leitor e os personagens são minuciosamente descritos, pois como aparece no próprio conto:

“O caráter de todo personagem de uma novela deve ser, em regra, plenamente descrito”

Contos Russos – Tomo I (p.160)

O personagem principal dessa história é Akáki Akakievitch, um pobre servidor público que é alvo de chacota de todos no escritório, apesar de trabalhar de maneira excepcional.

Por outro lado, poderíamos dizer que o protagonista desse conto é o “capote”, que dá nome à narrativa. Isso porque quando o velho capote de Akáki já não pode ser mais utilizado, o personagem vê-se obrigado a fazer um novo, que torna-se motivo de admiração de seus colegas. Não é somente por esse motivo que eu diria que o capote poderia ser o protagonista dessa história, mas pelo que acontece ao final dela, após a morte de Akáki.

“Sumiu para sempre a criatura que ninguém defendia, a que ninguém dava valor, por que ninguém se interessava, a qual não atrairia a atenção nem mesmo de um naturalista que não perde a oportunidade de perfurar, com um alfinete, uma simples mosca para examiná-la ao microscópio”

Contos Russos – Tomo I (p.190)

É muito interessante perceber como, de certa forma (sem nos esquecermos da distância temporal entre o período em que ele foi escrito e os dias de hoje), esse conto fala sobre bullying, nos apresentando um personagem ignorado por todos e com uma profunda mágoa guardada dentro de si. Vejo, inclusive, como um conto com certo cunho social e satírico, representando uma parcela da sociedade russa de forma realista.

“Feitas as contas, não podemos penetrar na alma de um homem e descobrir tudo o que ele pensa”

Contos Russos – Tomo I (p.177)

Contos Russos – Tomo I e II (parte 2)

Vamos continuar as resenhas desses maravilhosos contos russos? Para quem não viu a primeira parte, basta acessar Contos Russos – Tomo I e II (parte 1).

Hoje falarei sobre os dois contos escritos por Alexandr Serguéievitch Púchkin, o maior poeta russo de todos os tempos e também aquele que é considerado o criador da língua russa moderna. Estes contos ainda fazem parte do Tomo I, voltado para o Sentimentalismo e o Romantismo russos. A prosa de Púchkin tem, de fato, inspiração romântica, mas inicia, também, certo realismo na literatura russa.

O primeiro conto chama-se O tiro, e está dividido em duas partes, sem torná-lo, no entanto, um conto muito mais extenso que os demais desse primeiro tomo. Nesse conto, o autor narra a história de um personagem chamado, para fins narrativos, de Sílvio. Tal história é contada por um narrador que, por sua vez, não se identifica, mas que sabemos que era um jovem militar.

Sílvio era um homem misterioso, mas muito gentil com os militares que estavam em seu lugarejo. Além disso, ele era um atirador exímio, capaz de acertar uma mosca na parede. O que o soldado que narra a história não consegue entender, porém, é o fato dessa interessante figura esquivar-se dos chamados “duelos”, que seriam nada menos que um “acerto de contas” entre homens, após algum desentendimento.

“A falta de coragem é o que menos se perdoa na mocidade, a qual tem o costume de tomar a bravura pela maior das virtudes humanas e faz dela a desculpa de todos os vícios possíveis”

Contos Russos – Tomo I (p.49)

Apenas anos mais tarde o nosso narrador consegue entender o estranho comportamento de Sílvio. Trata-se de uma história inesperada e muito interessante, que não revelarei aqui, pois vale a pena a leitura. A única coisa que direi, porém, é que uma parte da história é revelada ao narrador através do próprio Sílvio, mas o resto vem por meio de outros personagens…

Pesquisando um pouco mais sobre esse conto, descobri que, na realidade, ele abre a coleção Os contos de Belkin (que seria, portanto, o tal narrador desse conto), publicada em 1832 por Púchkin, ou seja, quarenta anos depois de A pobre Lisa, que apresentei no último post.

O segundo conto de Púchkin que aparece nos Contos Russos – Tomo I é A nevasca, que também faz parte d’Os contos de Belkin. Trata-se de uma história de amor quase à la “Romeu e Julieta” (Púchkin, aliás, era grande leitor de Shakespeare): dois jovens apaixonam-se, mas o relacionamento não é aceito pelos pais da jovem, uma vez que o rapaz é pobre. O amor, no entanto, sempre fala mais alto e os dois resolvem se casar às escondidas.

Mas (sempre tem que ter um mas…), na noite combinada uma forte nevasca acaba atrapalhando um pouco os planos do jovem casal…

“Qualquer que seja, o mistério sempre aflige o coração feminino”

Contos Russos – Tomo I (p.79)

O narrador vai contando a história ora de um, ora de outro. Nessa parte do casamento, quando ele conta o que está acontecendo com o jovem, a história prende o leitor, nos deixando angustiados e, ao mesmo tempo, nos fazendo ler com enorme avidez. Além disso, trata-se de um conto de inúmeros altos e baixos e, mais uma vez, um final um tanto quanto inesperado, que conta com a aparição de um terceiro personagem…

Além desses dois contos, o livro Os contos de Belkin também conta com as seguintes histórias: O chefe da estaçãoO fabricante de caixões, A sinhazinha.

Contos Russos – Tomo I e II (parte 1)

Título: Contos Russos - Tomo I e Tomo II
Original: (não sei, está escrito no alfabeto russo, sos)
Autor: vários
Editora: Martin Claret
Páginas: 203 (Tomo I) e 201 (Tomo II)
Ano: 2014 (Tomo I) e 2015 (Tomo II)
Tradução: Oleg Almeida

A Copa na Rússia já acabou, mas a cultura desse país nunca para de marcar gol! Por isso, aproveitei o clima para ler esses dois volumes de contos russos, publicados pela editora Martin Claret. Aprendi tanta coisa que resolvi dividir essa resenha em 5 posts, para poder falar um pouco melhor sobre cada conto e seus autores. Na publicação de hoje apresentarei cada um dos livros e o primeiro conto que li. Vamos nessa?

Em Contos Russos – Tomo I somos apresentados a contos que remontam à época do Sentimentalismo e do Romantismo russo. São cinco histórias que compõem esse volume, de três autores diferentes: A pobre Lisa (Nikolai Karamzin); O tiro e A nevasca (Alexandr Púchkin), Vyi e O capote (Nikolai Gógol).

Já em Contos Russos – Tomo II temos apenas dois contos (bem mais extensos) de dois autores diversos, representando as vertentes Realista e Naturalista, predominantes na Rússia durante o século XIX: O primeiro amor (Ivan Turguênev) e Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk (Nikolai Leskov).

Descobri que há ainda um Contos Russos – Tomo III. Quem será que está se segurando para não comprar imediatamente??

Eu gostei da edição desses livros (mas descobri que também há ótimas edições da editora 34). As capas têm cores lindas, as notas foram feitas na medida certa e são traduções diretas do russo. Não poderia ter entrado nesse universo literário de forma melhor (sim, nunca havia lido nada de literatura russa…). Ao final de cada edição há, ainda, uma parte sobre os autores dos contos, mas é super breve, então o ideal é pesquisar mais sobre eles.

O primeiro conto que li foi A pobre Lisa, escrito por Nikolai Karamzin, o maior expoente do Sentimentalismo russo. E ele foi, também, um dos historiadores oficiais do Império Russo!

O conto começa com uma extensa descrição da paisagem local. Isso porque o narrador está contextualizando sua história, nos contando algo que ocorrera anos antes.

“Todavia, o que mais me atrai às muralhas do mosteiro de S*** é a recordação do lamentável destino de Lisa, da pobre Lisa. Ah, eu gosto daqueles temas que me enternecem o coração e fazem verter as lágrimas de uma meiga tristeza”

Contos Russos – Tomo I (p.22)

É a partir desse trecho que nossa protagonista aparece, já na quarta página do conto. Vamos, aos poucos conhecendo sua história e seu triste destino. E a natureza, ao longo de toda a narrativa, está intimamente ligada aos sentimentos dos personagens.

Em se tratando de um símbolo do Sentimentalismo russo, essa história não poderia deixar de apresentar uma figura masculina, que chega para abalar a pacata vida de Lisa. Estamos falando de Erast, um jovem que não podemos categorizar exatamente como vilão, ainda que o trágico fim de Lisa seja, de certa forma, culpa dele.

“Parecia-lhe ter achado em Lisa aquilo que seu coração procurava havia tempos”

Contos Russos – Tomo I (p.28)

As descrições ao longo do conto não são cansativas para o leitor. Ao contrário, elas nos ajudam a adentrar ainda mais a história. Há uma passagem, também, em que o narrador consegue fazer com que o leitor entenda que os personagens tiveram uma relação sexual, mas sem ser tão explícito ou direto.

A Rússia pode nos parecer um país muito distante, bem como este conto, publicado, originalmente, em 1792. Mas falar de sentimentos é sempre algo universal e atemporal. Anos e anos depois, ao ler um conto como esse, ainda somos capazes de nos compadecer da protagonista e sentir, na pele, os dilemas que os personagens vivem.