Teresinha — Ana Larousse

Tem música que a gente houve e que nitidamente percebe uma história se desenrolando em forma de poesia cantada. Teresinha, de Ana Larousse, é uma dessas canções.

Toda vez que ouço esta música, é difícil não vislumbrar as imagens que são tão bem colocadas ao longo dos versos dela.

A música em questão faz parte do álbum Tudo começa aqui, lançado pela cantora em 2013 e cheio de outras músicas que carregam doçura, sentimentos e, claro, histórias.

Teresinha traz uma homenagem à vó de Ana. Com uma letra cheia de sentimentalidade e uma melodia gostosa de se ouvir, é difícil não se encantar por esta narrativa.

Acho que nas primeiras vezes em que ouvi a canção, me chamaram a atenção frases como “ela guiava colada no volante” e “e reclamava, tudo bem, do jeito dela”, pois são imagens tão comuns, mas ao mesmo tempo, tão únicas dentro da história aqui contada.

Ao mesmo tempo em que há imagens concretas, como o cabelo pintado de vermelho e o biscoito e o café para ir embora, a música também tem diversas imagens abstratas, como o velho tempo que entra e a hora de dormir em paz, que dão ares melancólicos à historia, nos fazendo entender que ela teve o seu fim.

Tudo que até aqui mencionei culmina com o final triste da música — também marcado pela diminuição do ritmo da própria melodia —, que talvez só quem já perdeu uma pessoa tão importante pode entender: a dificuldade em dizer adeus, o medo de ficar só e a capacidade de compreender que a morte também faz parte do ciclo da vida.

Deixo, abaixo, a letra completa da música, e também o vídeo, para quem quiser ouvir e se deliciar com ela.

Teresinha (Ana Larousse)

Ela pintava o cabelo de vermelho
Deixava os óculos do lado do chuveiro
Pra não cair
Deixava o velho tempo entrar
Ela guiava colada no volante
Rezava o terço pra cuidar do outro instante
Então vai
Que o tempo tá batendo atrás
E é hora de dormir em paz
Que falta você vai fazer
A casa é grande pra você
O medo te apagou, eu sei
Num carro azul 15 quilometros por hora
O mesmo biscoito e o café pra ir embora
E anoitecer
O riso que eu vi crescer
Ela esperava os filhos na janela
E reclamava, tudo bem, do jeito dela
É muito tempo eu sei
A vida cansa pra valer
Eu mesma vou adoecer
Talvez antes de ter historias pra contar
Antes de ver o amor passar
Isso deve doer
Ela fez a vida dela e de outros cinco
Se eu bem me lembro
Eu tava no colo dela
Ela guardou a minha infância no porão
Ela cuidou pra gente sempre se lembrar
Que antes era eterno
Mas tudo vai e volta só
Então vai que eu fico só a lembrar
Do tempo que era bom
Pé-de-manga, banhos de chuva
Jogar cartas, guaraná
Cor na poça d’água
Eu sei, morrer não dói
Mas ir embora nunca é fácil
Me ensina a dizer adeus
Me ensina a tricotar
Me ensina a cozinhar como você
Me ensina a não crescer só
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Cartola (Antologia)

Título: Cartola
Autor: vários autores
Editora: Cartola Editora
Páginas: 203
Ano: 2021

(leia ao som de Cartola – playlist by Editora Cartola)

A antologia Cartola, publicada pela Editora de mesmo nome, é o primeiro volume de uma série que, quando vi, logo me apaixonei pela proposta: a coleção Músicos e Poetas será composta por antologias inspiradas em músicas de artistas selecionados, em uma homenagem a compositores e poetas brasileiros.

“Eu estava lá e num piscar de olhos não estava mais. Em um momento eu tocava meu violão enquanto Amália cantava a meu lado, sua mão tão relaxadamente posta em minha perna. E, então, eu não estava mais”

Cordas de aço (Thais Rocha)

Como amo a mistura de música e literatura, eu não poderia deixar de conferir o resultado desse trabalho. E uma coisa muito interessante é que ele é um prato cheio tanto para os que conhecem Cartola quanto para os que não conhecem.

“É possível sentir saudades de coisas que você mal lembra ter feito ou vivido?”

Cordas de aço (Thais Rocha)

Para quem já é fã, é uma forma de ver algumas das músicas dele ganhando nova vida, contando outras histórias. E para quem não conhece quase nada do compositor, é uma maneira de se interessar por algumas de suas letras. Eu mesma, não conhecia bem todas as canções selecionadas, então buscava a letra e depois lia a história, observando como aquele texto havia sido inserido na narrativa.

“O mundo é um moinho, vô. E a saudade de você me tritura por dentro”

O mundo é um moinho (Alessandra Solletti)

Além disso, alguns autores optaram por não apenas inserir a música, mas também alguns acontecimentos da própria biografia do compositor ao longo da narrativa, nos fazendo realmente mergulhar no mundo de Cartola.

“Junto com a sua chegada, ele trouxe uma angústia que nunca esteve ali. Descobri o medo da perda”

As rosas não falam (Lili Dantas)

Não posso deixar de confessar, porém, que mesmo animada para essa coleção, iniciei a leitura sem grandes expectativas, mas me surpreendi bastante (e positivamente) com a forma como ela fluiu. Ela contém contos que dão vontade de continuar lendo e desvendando seus segredos. Além disso, foi muito gostoso ver as escolhas de cada autor.

“Você deve escolher quais batalhas deve lutar, eu escolhi fazer o melhor que posso com o tempo que me resta”

Autonomia (C. B. Kaihatsu)

Esta antologia é composta por 20 contos, inspirados, por sua vez, em 20 composições diversas, sendo elas, em ordem (e com o nome dos autores):

1 – Acontece – Naiane Nara

2 – Alvorada – Bruny Guedes

3 – Amor proibido – Nilsa M. Souza

4 – As rosas não falam – Lili Dantas

5 – Autonomia – C. B. Kaihatsu

6 – Cordas de aço – Thais Rocha

7 – Corra e olhe o céu – Ana Farias Ferrari

8 – Disfarça e chora – Juliana Kaori

9 – Meu drama – Ana Paula Del Padre

10 – Minha – Aline Cristina Moreira

11 – Não posso viver sem ela – Edilaine Cagliari

12 – O mundo é um moinho – Alessandra Solletti

13 – O sol nascerá – Meg Mendes

14 – Peito vazio – Simone Aubin

15 – Pranto do poeta – Ana Lúcia dos Santos

16 – Preciso me encontrar – Vanessa Belo

17 – Sala de recepção – Walison Lopes

18 – Sei chorar – Priscila Morais

19 – Tive sim – Alec Silva

20 – Verde que te quero rosa – Rodrigo Barros

É interessante notar como há temáticas e sentimentos que se repetem — sem, no entanto, soarem repetitivos ao longo da obra —, como é o caso da tristeza, da melancolia, da angústia.

“falei sem mais saber o que dizer, como colocar em palavras os sentimentos todos, sendo que ainda não os sabia nomear?”

Corra e olhe o céu (Ana Farias Ferrari)

Mas também há, claro, amor, amizade, leveza. Sentimentos leves e pesados colocados lado a lado e construindo histórias fáceis de ler, mesmo quando surge aquele leve incômodo de um nó na garganta, que logo dá espaço para outros sentimentos.

“Éramos opostos, mas, apesar disso, ou, por causa disso, nos dávamos muito bem, sempre fomos unha e carne”

Meu drama (Ana Paula Del Padre)

A leitura de qualquer antologia pode trazer muitas sensações diversas para cada leitor, uma vez que carrega múltiplas histórias e escritas, mas eu não posso deixar de mencionar aqui que um dos meus contos preferidos foi “Corra e olhe o céu”, da Ana Farias Ferrari.

“Quando pequena, todo os sábados à tarde meus pais e meus tios deixavam os filhos na casa de paredes cor-de-rosa, quase no fim da pequena cidade do interior, sob os cuidados nada cautelosos de vó Naná e do vô Alceu”

Corra e olhe o céu (Ana Farias Ferrari)

Tenho total consciência de que essa é uma escolha bem pessoal, baseada no fato de que me identifiquei muito com a protagonista e com os momentos narrados por ela, dando-me muita saudade e nostalgia.

“Não sei exatamente quando essas tardes mágicas acabaram, talvez com a cobrança da escola e dos cursos extracurriculares nós passamos a ter menos tempo para brincadeiras aos fins de semana, ou talvez a idade e a vontade de ver o mundo se tornaram mais atraentes do que o mundo criado entre aquelas paredes rosas”

Corra e olhe o céu (Ana Farias Ferrari)

Mas já que cada um pode encontrar o seu conto preferido, deixo aqui meu convite para que você conheça essa obra e me conte qual foi a sua história preferida!

Vambora — Adriana Calcanhotto

Esses dias estava pensando que não sei quem conhece meus gostos musicais. Digo, há tempos não respondo à pergunta “qual é sua música preferida?”. Há quem saiba, sem dúvidas. Mas também há que não faça a menor ideia, creio eu. Ao mesmo tempo, também esses dias, estava trabalhando — para variar — com música em sala de aula e percebi o quão ingrata essa pergunta é. Difícil escolher a nossa música preferida, não é mesmo?

Eu não sou uma pessoa fissurada por bandas, cantores, pessoas famosas em geral (de qualquer setor, nem mesmo por autores). Admiro muito mais as pessoas que estão ao meu redor do que celebridades. Mas quando se é mais jovem, sempre tem aquelas perguntas do tipo “qual é a sua banda ou seu cantor favorito?” e, naqueles tempos, eu sempre pensava em Adriana Calcanhotto, que conheci como Adriana Partimpim. Hoje eu não sei se ela ainda seria “a minha preferida”, mas não posso negar que seu trabalho continua a mexer muito comigo. Também, pudera! Ela não faz apenas música, mas poesia musicada, e sua bagagem é notável em suas canções.

Mas não estou aqui para ficar exaltando essa artista e sim para falar de uma de suas músicas que, mesmo quando eu não entendia muito bem, adorava e que, um tempo depois, descobri que fazia referências a obras literárias que, somente anos mais tarde, eu viria a saber que existiam e que são tão óbvias nessa música. Mas vamos por partes?

Hoje eu quero falar sobre a música Vambora, lançada em 1998, no CD Marítimo. O título já chama atenção pela sua informalidade, nos trazendo uma palavra que representa um modo de se falar “vamos embora”, mas de um jeito leve, como um gostoso convite, o que combina totalmente com o ritmo dessa música.

A primeira clara menção literária da música está no verso “dentro da noite veloz”, que é o título de um livro de Ferreira Gullar. Esta obra fala da solidão, mas uma solidão diferente da experimentada pelo eu lírico da canção. Na música, sentimos que a cantora fala de amor, de uma separação, talvez, enquanto em Dentro da noite veloz (1975) Gullar fala da solidão política em tempos de ditadura.

E a segunda clara menção literária está em “na cinza das horas”, título do primeiro livro de Manuel Bandeira. A cinza das horas (1917) é uma obra que, a seu modo, também fala de solidão: a solidão de quem se percebe perto da morte, com uma doença de difícil tratamento (felizmente, Manuel Bandeira conseguiu viver mais que o esperado).

É interessante notar, porém, que quem desconhece esses títulos — como eu desconhecia nas primeiras vezes em que ouvi essa música — pode facilmente ser levado a acreditar que são apenas figuras de linguagem, que “noite veloz” e “cinza das horas” sejam metáforas para a solidão sentida. Bem, são, mas também são mais que isso, não é mesmo? Tanto é que ambas são precedidas pelo verso “dentro de um livro”.

Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
Pra mudar a minha vida
Vem, vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva

Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Dentro da noite veloz

Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Na cinza das horas

E para quem quiser ver o clipe, deixo-o aqui embaixo. É interessante ver a melancolia nas cores, nas imagens. A solidão estampada na imagem da cantora solitária, vestida de preto, à meia luz.

Você já conhecia essa música? O que acha(va) dela?

Desenredo — Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro

Talvez os leitores da clássica literatura brasileira estranhem o título deste post, mas já adianto que nem você leu errado e nem eu fiquei maluca. Hoje vou falar sobre uma música, mas não temos como não mencionar Guimarães quando vemos um título desses, certo?

Comecemos, então, pela literatura, já que ela é, também, o assunto principal deste blog: sou daquelas leitoras que pouco leu Guimarães Rosa. Ainda estou à espera do iluminado momento em que finalmente me sentirei pronta para embarcar na leitura de Grande Sertão: Veredas. Mas já li Primeiras Estórias, um livro de contos do autor. Isso aconteceu lá em 2014, quando eu estava na faculdade e ainda me lembro, olhando os títulos das histórias, de algumas sensações que tive ao conhecê-las.

Meu primeiro contato com a escrita e a obra de Guimarães, no entanto, foi justamente através de um conto de título Desenredo, que faz parte da obra Tutaméia: Terceiras Estórias. É difícil explicar o que esta narrativa me fez/faz experimentar. Há, até hoje, uma frase dela que repercute em mim:

“Todo abismo é navegável a barquinhos de papel”

Forte, não?

Tempos depois, um amigo — que sabia desse meu encantamento com as narrativas de Guimarães, em especial Desenredo — perguntou-me se eu conhecia a música de mesmo nome.

Tudo o que narrei até aqui estava esquecido em algum canto de minha memória, até que, semana passada, meu Spotify colocou para tocar Desenredo, interpretada pelo grupo Boca Livre. E foi assim que resolvi escrever aqui sobre essa música.

Pesquisando um pouco sobre ela, descobri que não há exatamente uma relação entre esta e o conto homônimo. Mas, Dori Caymmi estava lendo Guimarães quando compôs esta canção e, provavelmente influenciado pela leitura, estava relembrando os tempos em que vivera em Minas, unindo, assim, diversas imagens que podem encontrar ecos durante uma leitura da obra Rosiana.

Desenredo — a canção — foi composta em 1976, mas só foi gravada quatro anos depois, ganhando versões também nas vozes de Nana Caymmi, Edu Lobo e Roberta Sá. Ao final do post, deixarei a versão que escutei, pelo grupo Boca Livre.

O ritmo dela me traz uma sensação quase tão difícil de explicar quanto a leitura do conto mencionado, mas posso tentar definir como uma sensação de paz, tranquilidade.

É muito interessante notar, ao longo do texto da música, como a escolha do título faz sentido, havendo esse jogo entre as palavras “fio”, “enredo”, “tramas”, “novelo”, “trança”, “corda”, “enrosco”, que são termos que, pelo seu significado e usos na letra, estão diretamente ligados ao “desenredo”, ou seja, ao “ato ou efeito de desenredar; desenlace; solução”.

Também está muito presente, na música, uma certa imagem desoladora e a própria morte — sem disfarces e sem eufemismos —, figuras que igualmente encontramos nas obras de Guimarães Rosa.

Para quem quiser conferir com os próprios olhos e ouvidos, eis a letra e, logo em seguida, o vídeo da versão que mencionei:

Por toda terra que passo me espanta tudo que vejo
A morte tece seu fio de vida feita ao avesso
O olhar que prende anda solto
O olhar que solta anda preso
Mas quando eu chego eu me enredo
Nas tramas do teu desejo
O mundo todo marcado a ferro, fogo e desprezo
A vida é o fio do tempo, a morte o fim do novelo
O olhar que assusta anda morto
O olhar que avisa anda aceso
Mas quando eu chego eu me perco
Nas tranças do teu segredo
Ê Minas, ê Minas, é hora de partir, eu vou
Vou-me embora pra bem longe
A cera da vela queimando, o homem fazendo seu preço
A morte que a vida anda armando, a vida que a morte anda tendo
O olhar mais fraco anda afoito
O olhar mais forte, indefeso
Mas quando eu chego eu me enrosco
Nas cordas do seu cabelo
Ê Minas, ê Minas, é hora de partir, eu vou
Vou-me embora pra bem longe…

Música: versões italianas de músicas brasileiras

Há um tempinho, fiz um post aqui sobre músicas italianas e suas versões brasileiras. A receptividade do post foi muito boa e uma amiga me sugeriu que eu fizesse o contrário, isto é, músicas brasileiras e suas versões italianas. Apesar de saber que, por exemplo, Chico Buarque tem diversas músicas traduzidas para o italiano, pois ele chegou a morar lá durante o período da ditadura que houve aqui (conheça os álbuns Na Itália e Per un pugno di samba), achei que essa ideia seria bem desafiadora.

Essa mesma amiga, porém, disse que há uma música do Marcelo Jeneci com uma versão italiana, coisa que eu desconhecia! A música “Felicidade” (2010) ganhou, em 2020, uma versão italiana, com a cantora Erica Mou. No caso, uma versão feita em conjunto por esses cantores:

E aí, pesquisando mais sobre o assunto, fui descobrindo algumas coisas interessantes. Por exemplo, a música brasileira chegou à Itália principalmente quando ocorreu um movimento inverso àquele que ocorrera anos antes, isto é, quando muito brasileiros migraram para lá. Outra coisa que contribuiu para o surgimento de versões italianas de músicas brasileiras foi o sucesso mundial da Bossa Nova.

Fora isso, porém, dificilmente os italianos tinham conhecimento sobre as nossas produções. Hoje, claro, a internet contribuiu para mudar esse cenário, mas ainda assim há poucas versões atuais nesse par.

Se por um lado eu já sabia que “A banda” (1966) ganhara uma versão italiana — “La banda” (1967) — por outro, eu não sabia que “Águas de março” (1972) também tinha a sua tradução (“La pioggia di marzo — 1993). La banda, porém, é bem mais próxima do original (com relação ao texto) que La pioggia di marzo:

Também descobri que a Mina (cantora de La banda, que coloquei ali em cima) tem um cd com diversas versões de músicas brasileiras, inclusive “Que maravilha” (1969), do Jorge Ben Jor, que virou “Che meraviglia” (1970), uma tradução bem próxima do original:

Você acredita que até Roberto Carlos temos em italiano? (quer dizer, não sei porque isso me surpreende, já que música romântica é a cara dos italianos, né?). “Sentado à beira do caminho” (1969) virou “L’appuntamento” (1970), música cuja letra é um pouco diferente:

Agora, surpreendentemente mesmo talvez seja saber que “Nem vem que não tem” (1967), do Wilson Simonal, virou “Sacumdì Sacumdà” (1968), também com uma letra diferente da original (exceto pelo que dá título à versão italiana):

Fora isso, também há algumas músicas infantis com suas versões, como “O caderno” (1983) que virou “Mistero” (1997) , similar à original, mas com algumas modificações:

Agora você quer ficar REALMENTE em choque? Sabia que existe uma versão italiana de “Anna Júlia” (1999)? Sim, a música dos Los Hermanos! Em italiano, também “Anna Júlia” (2001), a letra é um pouquinho diferente (mas o melhor é ouvir o refrão na versão italiana, ficou engraçado!):

Para encarrar, vamos descer um pouco o nível: não é segredo para ninguém que “Ai se eu te pego” (2011), do Michel Teló, bombou mundialmente. O que você talvez não saiba é que a música realmente ganhou uma versão italiana, que é uma tradução mesmo (assim como a versão em todas as outras línguas — e foram muitas).

Eu me lembro que foi justamente em 2012 que fui pela primeira vez para a Itália e as pessoas ainda tentavam cantar a versão em português mesmo (que tocava em tudo quanto era lugar, assim como Gustavo Lima!):

Por hoje é isso! Até que consegui mais músicas do que eu esperava e, para variar, me diverti muito fazendo esse post. Principalmente com essas duas últimas. Agora estou pensando em fazer um post de músicas norte americanas em italiano (com certeza tem várias).

Ideologia — Cazuza

Ideologia - cazuza

Me lembro que, quando eu era pequena, me perguntava o que era ideologia e como se usava uma dessas para viver. Cheguei até a procurar no dicionário o sentido da palavra, mas fiquei tão confusa quanto antes.

ideologia
i·de·o·lo·gi·a

sf
1 FILOS Ciência que trata da formação das ideias.
2 Tratado das ideias de forma abstrata.
3 Conjunto de sistemas de valores sociais que reconhecem o poder econômico da classe dominante quanto à legitimidade dos ideais que refletem a ânsia por transformações radicais que dignifiquem a classe dominada ou o proletariado, segundo o marxismo e seus seguidores.
4 FILOS Doutrina que considera a sensação como fonte única dos nossos conhecimentos e único princípio das nossas faculdades.
5 Maneira de pensar que caracteriza um indivíduo ou um grupo de pessoas, um governo, um partido etc.
6 PEJ Conjunto de concepções abstratas que constituem mera análise ou discussão sem fundamento de ideias distorcidas da realidade.

Fonte: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/ideologia/

Naquela época, recorrer ao dicionário de nada me adiantou porque, no fundo, eu também não entendia a música que me fizera conhecer tal palavra. E, para ser sincera, esta é a primeira vez que paro para realmente ler a letra e analisá-la… O que me faz ter de contar para vocês uma coisa interessante: descobri que, além de tudo, havia uma parte que eu cantava errada! Eu sempre cantei “Frequenta as festas do candomblé” (isso me parecia fazer muito sentido — e eu não sei porque eu acentuava de maneira fechada a palavra candomblé) e acabo de descobrir que o certo é “Frequenta as festas do Grand Monde” (coisa que eu jamais imaginaria, pois até instantes atrás eu sequer sabia o que era isso).

Ideologia foi composta em 1987 e lançada em 1988. O Brasil acabara de sair da ditadura (já tantas vezes mencionada nesta seção), mas as coisas ainda estavam longe de se tornarem boas. Soma-se a isso o fato de que, justamente em 1987, foi confirmado que Cazuza tinha AIDS. É nesse cenário que nasce essa canção, cheia de críticas, mas, principalmente, de desilusão — coisa que fica extramente clara nos primeiros versos. A música tem apenas três estrofes e consegue transmitir uma mensagem clara e forte.

O tal “Grand Monde” que o eu lírico passa a frequentar, segundo a canção, era uma balada LGBT frequentada pela alta sociedade da época. Isso significa que dizer que “Aquele garoto que ia mudar o mundo / Frequenta agora as festas do Grand Monde” nada mais é do que dizer que mesmo aquelas pessoas cheias de vontade e esperança de fazer a diferença, já não possuem tal força e se entregam ao sistema vigente, aos costumes daqueles que tanto criticavam.

Além disso, com seus heróis mortos por overdose — e aqui Cazuza provavelmente se refere a grandes artistas que literalmente morreram de overdose — e seus inimigos no poder, o eu lírico se sente perdido, tendo a necessidade de encontrar uma nova ideologia, uma nova forma de pensar com a qual ele se identifique e que lhe traga novas forças para lutar. Acho que quando eu era mais nova eu me fazia a pergunta errada: não deveria ser “como” mas “por que” se viveria com uma dessas?

A última estrofe da canção começa com um verso interessante. Como mencionei acima, Ideologia foi composta um pouco depois do cantor ter se descoberto soropositivo, mas seus fãs só vieram a saber disso por volta de 1989, ainda que, nesta canção, o autor já tenha falado sobre a doença de maneira sutil… E ao mesmo tempo nem tão sutil assim, porque são versos capazes de escandalizar os mais conservadores.

Meu partido
É um coração partido
E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Eu nem acredito ah
Que aquele garoto que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Frequenta agora as festas do “Grand Monde”

Meus heróis morreram de overdose
Eh, meus inimigos estão no poder
Ideologia
Eu quero uma pra viver
Ideologia
Eu quero uma pra viver

O meu tesão
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs não tem nenhum rock ‘n’ roll
Eu vou pagar a conta do analista
Pra nunca mais ter que saber quem eu sou
Saber quem eu sou
Pois aquele garoto que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste à tudo em cima do muro, em cima do muro

Flor de Lis — Djavan

Flor de Lis Djavan

Lembra que na época das eleições todo mundo falava para tomar cuidado com fake news e também para sempre checar as informações para repassar? Pois é, bem antes disso a gente já caía em fake news e nem ligava…

Quando eu estava no Ensino Médio me disseram que a música Flor de Lis, do Djavan, era uma homenagem do cantor e compositor para sua esposa, Maria, que falecera no parto, com sua filha, Margarida. E olhando a letra, essa até é uma história que faz sentido… Mas jogando rapidinho no Google logo descobrimos que é tudo mentira (ao menos é uma mentira criativa, vai).

Flor de Lis foi lançada em 1976 e faz parte do primeiro álbum da carreira de Djavan. E em 1976 Djvan já era casado com Maria Aparecida dos Santos Viana e assim o foi até 1998, quando se separaram.

A música, se pararmos para analisar a letra, realmente fala do fim de um relacionamento (e isso fica claro com “é o fim do nosso amor”), mas, ao contrário do que o boato dizia, não por causa da morte de uma das partes, mas pelo fim do sentimento em si, que uma das partes não soube cultivar (“eu sei que o erro aconteceu/ mas não sei o que fez/ tudo mudar de vez/ onde foi que eu errei?”).

Mas olha como a gente quer achar explicação em tudo: o eu-lírico da canção, o ser que perdeu seu amor, que não viu o “jardim da vida” florescer com outras flores e outros amores, não precisa ser, necessariamente, o próprio Djvan, afinal, é uma música, e a música pode ser universal! Mas há quem diga que Flor de Lis retrata o final do relacionamento de Djavan e Maria (o que, cronologicamente, não faria sentido, pois a canção é de 1976 e eles foram casados, ao menos no papel, até 1998). Se pensarmos por um outro ângulo, quer nome mais universal que “Maria”? Quer nome melhor para mostrar que essa é uma música para todos?

De qualquer maneira, uma coisa não dá para negar: Flor de Lis é uma linda canção e o modo como ela retrata a dor do fim de um relacionamento (“Será talvez/ que minha ilusão/ foi dar meu coração/ com toda força pra essa moça/ me fazer feliz/ e o destino não quis/ me ver como raiz/ de uma flor de lis”), da percepção de que algo não deu certo e que, ao mesmo tempo, no solo ferido não nasce um novo amor (“do pé que brotou Maria/ nem Margarida nasceu”)… É pura poesia!

Valei-me, Deus é o fim do nosso amor
Perdoa, por favor
Eu sei que o erro aconteceu
Mas não sei o que fez
Tudo mudar de vez
Onde foi que eu errei?
Eu só sei que amei, que amei, que amei, que amei
Será talvez
Que minha ilusão
Foi dar meu coração
Com toda força pra essa moça
Me fazer feliz
E o destino não quis
Me ver como raiz
De uma flor de lis
E foi assim que eu vi
Nosso amor na poeira, poeira
Morto na beleza fria de Maria
E o meu jardim da vida
Ressecou, morreu
Do pé que brotou Maria
Nem margarida nasceu
E o meu jardim da vida
Ressecou, morreu
Do pé que brotou Maria
Nem margarida nasceu

Rosa de Hiroshima — Vinícius de Moraes

Rosa de Hiroshima

Em minha última resenha falei de um livro que conta um pouco sobre o acidente nuclear de Chernobyl. Isso me fez pensar, também, em Rosa de Hiroshima, uma vez que, novamente, estamos falando de questões nucleares, com a infeliz diferença de que aqui não se trata de um simples acidente. Mas vamos por partes.

Rosa de Hiroshima é um poema de Vinícius de Moraes que, posteriormente, foi musicado por Gerson Conrad e ganhou vida com a banda Secos e Molhados. Trata-se de uma obra metafórica que nos faz refletir sobre as consequências de um bombardeio nuclear.

No dia 6 de agosto de 1945 — ano em que a II Guerra Mundial chegava ao fim — para demonstrar sua força nuclear, os Estados Unidos lançaram sobre Hiroshima uma bomba de urânio, que recebeu o nome de Little Boy e que matou ao menos 140 mil pessoas. Três dias depois, ainda houve o ataque a Nagasaki, com uma bomba de plutônio, apelidada de Fat Man. Mais de 40 mil pessoas morreram, sem contar as milhares de pessoas que morreram posteriormente, em decorrência dos efeitos da radiação dessas bombas.

Para as pessoas, a radiação pode causar queimaduras, cegueira, surdez e, claro, câncer. Mas, além disso, a radiação em excesso também é prejudicial para o meio ambiente, devastando a vegetação,  causando chuva ácida e contaminando tudo.

É difícil não sentir um aperto no peito lendo o poema ou, mais ainda, ouvindo a canção Rosa de Hiroshima, que ainda nos lembra que ninguém é poupado em um ataque como esse: crianças, mulheres, idosos… É ainda mais tocante ver o horror sendo descrito, metaforicamente, com o auxilio de uma imagem tão frágil e bela, mas também tão forte (uma vez que se protege com seus espinhos): a rosa. Isso sem falar que a rosa pertence à natureza, que também não é poupada em uma tragédia dessas.

E também é bonito ver como Rosa de Hiroshima consegue trazer a união entre música e poesia de maneira tão bonita, trabalhando ainda mais a fundo diversas figuras de linguagem, para além da metáfora: anáfora (com a repetição de pensem), aliteração (da rosa, da rosa de Hiroshima — a sonoridade causada por esses s) e também a sinestesia (a mistura de sensações como as rosas cálidas).

Pensem nas crianças
Mudas, Telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas, inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas, Alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh! Não se esqueçam
Da rosa, da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor, sem perfume
Sem rosa, sem nada

 

Maria, Maria – Milton Nascimento

Maria, Maria Milton Nascimento

Hoje eu quis trazer para vocês uma música que não podemos deixar passar em branco: Maria, Maria, de Milton Nascimento, em parceria com Fernando Brant. Tal canção faz parte do álbum Clube da Esquina 2 e foi lançada em 1978 (mas é atemporal).

Na música, vemos descrita uma Maria que pode ser qualquer Maria. E mais que isso: pode ser qualquer mulher. A tal da Maria é uma pessoa que batalha, que tem força e que, apesar de tudo, tem fé na vida. Maria também tem o direito de amar e de sonhar, mesmo que a vida seja dura.

A escolha do nome da música pode ter sido motivada por dois fatores: o fato de Maria ser um nome comum no Brasil e também porque este é, inclusive, o nome da mãe de Milton Nascimento, uma Maria que também batalhou muito na vida.

É fácil visualizar as mulheres se emocionando com esta canção, que em tão pouco fala tanto. E, não à toa, essa música toca em muitos lugares e já foi regravada por muitas pessoas, inclusive cantoras como Elis Regina (mãe de uma Maria também).

Vamos à letra?
Maria, Maria
É um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece
Viver e amar
Como outra qualquer
Do planeta
Maria, Maria
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri
Quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta
Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê
Hei! Hei! Hei! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!
Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho, sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê
Hei! Hei! Hei! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!
Lá Lá Lá Lerererê Lerererê!
E, para ouvir, deixo aqui um clipe novo (de 2018) e lindíssimo. A música foi regravada por Milton Nascimento no cd A festa, e, por isso, ganhou esse clipe incrível e emocionante:

Super-homem (a canção) – Gilberto Gil

Super homem

Você conhece a música Super Homem (a canção)? Trata-se de uma música lançada por Gilberto Gil, em 1979, no álbum Realce. Essa é uma daquelas músicas que eu escuto e deixo a letra ficar ecoando em minha cabeça, mas só agora resolvi realmente tentar entendê-la. E, ao fazer isso, descobri uma história interessante, contada pelo próprio Gilberto Gil!

O cantor estava de passagem pelo Rio de Janeiro, hospedado na casa de Caetano Veloso, quando este chega todo animado do cinema, contando sobre sobre o filme do Super Homem que acabara de assistir. Segundo Gilberto Gil, as descrições de Caetano eram tão boas que, quando foi se deitar, ele não conseguia deixar de visualizar mentalmente tudo o que ouvira, principalmente a cena em que o Super Homem volta o movimento de rotação da Terra para salvar sua namorada de um acidente de trem. E foi assim que nasceu Super Homem (a canção).

O ritmo da música contribuiu para que ela fique em nossa cabeça, mas não vou negar que gosto muito da letra, porque ela valoriza o feminino que há em todo ser humano, valoriza a sensibilidade e, ao mesmo tempo, a força. E claro que, conhecendo a história do Super Homem (o filme), principalmente a cena que serviu de inspiração para Gilberto Gil, fica ainda mais fácil compreender os versos finais da canção.

Um dia, vivi a ilusão
De que ser homem bastaria
Que o mundo masculino
Tudo me daria
Do que eu quisesse ter
Que nada
Minha porção mulher
Que até então se resguardara
É a porção melhor
Que trago em mim agora
É que me faz viver
Quem dera
Pudesse todo homem compreender
Oh Mãe, quem dera
Ser no verão o apogeu da primavera
E só por ela ser
Quem sabe
O Super Homem
Venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus
O curso da história
Por causa da mulher

Ouvindo essa música eu sempre penso muito na figura materna, então fica aqui minha homenagem (um pouco atrasada) a todas as mães!