Mil e uma noites depois… — Diário de leitura (21)

Sim, mesmo a mais longa das histórias uma hora acaba e com As mil e uma noites não poderia ser diferente. Esta obra me acompanhou por seis meses e eu confesso que, de início, eu tinha medo. Achei que poderia acabar abandonando a leitura, ou que ela seria mais arrastada que prazerosa.

A verdade é que me enganei. E claro, isso é ótimo! Em diversos momentos me vi querendo ler “só mais um pouquinho” para chegar ao final de uma das narrativas (que às vezes tinham o tamanho de uma noveleta) e, como vocês puderam acompanhar em meus diários de leitura, fiquei fascinada com o tanto de coisas que li, refleti e aprendi.

Para fechar as narrativas de As mil e uma noites temos A história das duas irmãs que invejavam a irmã mais nova. E já começo dizendo que essa inveja é muito “interessante”, porque ela é fruto simplesmente da realização dos desejos expressos por cada uma delas!

Numa bela noite, as três irmãs conversavam e uma disse que gostaria de se casar com o padeiro do Califa, para poder comer pães maravilhosos; a outra disse que gostaria de se casar com o cozinheiro do Califa e a mais nova, sonhando para além das duas, disse que preferia mil vezes casar com o próprio Califa.

Acontece que o Califa em pessoa (mas disfarçado) estava passando por ali e ouviu esse diálogo e resolveu atender aos desejos daquelas três mulheres, dando margem para a inveja das duas irmãs mais velhas.

O mais interessante da história é que, apesar desse acontecimento ser muito importante, o foco dela passa para outra coisa: os filhos que a irmã mais nova teve com o Califa. Sim, a história é mais sobre eles e a criação deles que qualquer outra coisa. Por quê?

Bem, porque as tais irmãs invejosas arquitetaram um plano para que pudessem fazer o parto da irmã mais nova e, nos três partos ocorridos, jogaram o recém-nascido num rio que passava perto do palácio e fingiam que irmã havia dado a luz a um animal qualquer.

Essas crianças jogadas no rio, na três vezes em que isso aconteceu, tiveram a sorte de ser resgatadas pelo jardineiro do palácio e foram muito bem educadas por ele. E é essa história que vamos acompanhando, até o surpreendente desfecho da narrativa, que une todas as pontas.

E, para encerrar a obra, há uma breve passagem que nos mostra um último diálogo entre Sherazade e o soberano, cuja fúria já foi completamente amenizada graças às histórias de sua esposa, acabando, assim, com a terrível lei que ele havia criado.

E, o que fica de tudo isso? Contar histórias salva vidas! Por isso, que nunca deixemos de contar nossas histórias e, mais ainda, de valorizar aqueles que se dedicam a isso!

Publicidade

Próximo ao fim — Diário de leitura (20)

Estou rapidamente me aproximando do fim de As mil e uma noites e hoje aproveito para comentar sobre duas histórias de uma vez. A primeira delas é A história do cavalo encantado. O título, como sempre, é bem autoexplicativo, ainda que, claro, deixe de fora muitas nuances da história.

Tudo começa com um homem que se apresenta com o tal cavalo encantado, capaz de levar aquele que nele subir para o local desejado, em um período temporal muito pequeno.

O preço por tal objeto, porém, é altíssimo: a mão da princesa. E, com isso, dá-se início a uma série de confusões, como não poderia deixar de ser. Mas uma, em especial, eu gostaria de narrar aqui.

Depois de alguns problemas iniciais, este homem rapta outra princesa — que se casaria com o príncipe daquela corte — como uma forma de vingança por tudo que lhe acontecera.

No meio do caminho, porém, a princesa consegue pedir socorro, e é salva por um homem que parece ser uma ótima pessoa. Mas as aparências enganam, não é mesmo? Tal homem quer, a todo custo, desposá-la. E ela se vê uma profunda agonia por isso. Claro que, depois disso, muitas outras coisas acontecem e tudo se resolve. Mas me chamou a atenção uma passagem em específico:

“Sultão de Cachemira, quando outra vez pretenderes desposar uma princesa que te roga proteção, trata antes de obter-lhe o consentimento!”

Tudo bem que este é um discurso de um quase marido bravo por ver outro homem querendo roubar sua esposa, mas, ainda assim, essa frase me parece um grande passo em relação ao tratamento dispensado às mulheres das histórias que preenchem as páginas de As mil e uma noites.

Veja bem: é um homem dando bronca em outro homem sobre a necessidade do consentimento da mulher. Esse é um discurso que, infelizmente, até hoje, muitos homens ainda não entenderam.

A segunda narrativa que quero comentar aqui é A história do príncipe Ahmed e da fada Pari-Banu. Uma história muito fantástica, com várias reviravoltas e permeada por objetos mágicos.

O que chamou minha atenção nesta narrativa foi que, nela sim, vi aparecer um “tapete voador”, coisa que não me recordo de ter visto na história de Aladin. O que, uma vez mais, me faz pensar na adaptação da Disney… Será que há referências a outras histórias de As mil e uma noites em Aladin? O que vocês acham?

Abre-te, Sésamo — Diário de leitura (18)

Você provavelmente já ouviu falar de Ali Babá. Creio que essa seja uma das histórias mais conhecidas de As mil e uma noites (após, claro, a de Aladim). E se você já a conhece, ao menos por alto, provavelmente identificou logo de cara o título deste post, no qual, claro, falarei sobre A história de Ali Babá e dos quarenta ladrões exterminados por uma escrava.

Ao sentar para escrever, porém, fiquei refletindo sobre esse título. “Uma escrava”. Ora, a tal escrava tem nome e é graças a ela que Ali Babá sobrevive. E ele, por sua vez, o que faz de tão excepcional além de descobrir uma caverna cheia de tesouros?

Morjana — a escrava — salva a vida de seu amo não uma, mas duas vezes. E, com muita sagacidade, ela consegue, sozinha, derrotar, em um primeiro momento, 37 ladrões e, mais tarde, o chefe deles. Os outros dois, de certa forma, ela também foi a responsável pela morte, mas de maneira indireta.

Outra coisa que não posso deixar de mencionar é que, mais uma vez, fui surpreendida, pois não sabia dos desdobramentos desta narrativa. No meu imaginário, aliás, eu podia jurar que Ali Babá era uma espécie de chefe dos 40 ladrões. Nada a ver!

Agora me pergunto se essa minha confusão deve-se realmente a um desconhecimento da história, uma falta de memória ou se ela realmente chegou a mim desta maneira, quando eu era mais nova, tendo sido, portanto, transformada com a transmissão boca a boca ao longo dos anos. Que versão você conhece de Ali Babá e os quarenta ladrões?

Ali Babá era um homem relativamente pobre, lenhador e que, um dia, descobre uma caravana com os tais 40 ladrões. Mas, mais que isso, descobre uma caverna, na qual eles escondem os frutos de seus roubos. E essa descoberta, claro, muda a vida de Ali Babá, mas não apenas de um jeito óbvio.

Para abrir a tal caverna, como já é de se imaginar, deve-se usar uma “senha”, que é a célebre frase “Abre-te, Sésamo”. Você sabe o que significa Sésamo? Eu só vim a pesquisar agora e, para variar, me arrependi (de não ter pesquisado antes, no caso).

O sésamo é um grão comestível, como o gergelim. E saber disso dá uma nova dimensão a uma passagem da história: o irmão de Ali Babá também vai até a tal caverna — mais interessado que o primeiro em tornar-se ainda mais rico — porém, na hora de sair de lá, apavorado por ouvir a aproximação dos ladrões, ele esquece-se da palavra “sésamo” e diz “abre-te, cevada”. Um erro que pode parecer sem sentido, mas que não é quando descobrimos que a cevada e o sésamo são grãos semelhantes.

E, mencionando essa passagem, percebo como, uma vez mais, fica a sutil lição de que a ganância só nos traz infortúnios. Enquanto Ali Babá pretendia usar da sua descoberta de maneira cautelosa e comedida, seu irmão quis logo apoderar-se de tudo quanto possível, esquecendo-se, porém, de tomar cuidado e, consequentemente, sofrendo um terrível destino.

Brincadeira sem limites— Diário de leitura (15)

Como comentei em meu último diário de leitura, esses dias li A história do adormecido despertado. E confesso que ainda estou tentando entender essa narrativa…

Ao mesmo tempo que aprendi várias coisas interessantes ao longo dessas páginas, também me senti lendo uma história que nos mostrava aquelas brincadeiras de criança de tentar ficar enganando um ao outro. Juro para vocês, metade das páginas dessa narrativa trata-se disso, de um personagem rindo-se às custas do outro.

O personagem central é Abu Hassan, um jovem que, como em outras narrativas que já comentei por aqui, quando se vê dono de grandes riquezas, passa a levar uma vida de festas e gastos desmedidos. Mas, ao contrário de muitos, ele, desde o início, deixou metade do dinheiro guardado, jurando não usá-lo de maneira desmedida. E foi isso que o salvou da miséria total.

Infelizmente, porém, como sempre acontece nessas histórias, ao se ver sem dinheiro (ao menos paras as grandes festas que dava até então), Abu Hassan viu-se, também, sem amigos.

Mudando totalmente seu estilo de vida, Abu decidiu que, a cada noite, receberia um viajante em sua casa, oferecendo-lhe um jantar e a hospedagem por uma noite. Mas apenas isso. No dia seguinte, o viajante teria de sair da casa e nunca mais voltar e nem mesmo dirigir-se a Abu Hassan.

Acontece que, um belo dia, um dos viajantes era ninguém menos que o Califa, disfarçado de mercador (e até agora não entendi como alguém não teria reconhecido o Califa após este passar a noite em sua casa. Achei que esta fosse uma figura de feições conhecidas pela cidade). E é neste ponto da narrativa que começam as brincadeiras de criança (mas com graves consequências!).

O Califa, disfarçado de mercador, após o delicioso banquete oferecido por Abu, pergunta qual é sonho dele e este responde, sem saber com quem está realmente falando, que gostaria de ser Califa por um dia, para punir alguns de seus vizinho, explicando o motivo da punição e detalhando como isto se daria.

O Califa, então, coloca um pó na bebida de Abu, e este pó faz com que ele durma quase que imediatamente. O Califa, ajudado por seu escravo, carrega Abu, ainda dormindo, até o palácio e instrui a todos para o tratarem, no dia seguinte, como o verdadeiro Califa e acatar todas as ordens dadas por ele.

Claro que Abu, ao acordar, sente-se extremamente confuso. Mas, depois de muita insistência de seus “servos”, acaba aceitando que é o verdadeiro Califa e dá as ordens que gostaria de dar.

E esse “sonho” dura apenas um dia. Na manhã seguinte, Abu acorda novamente em sua verdadeira casa, porém não aceitando que fosse Abu e afirmando que era o Califa. Uma loucura só. Tão louca que ele tem de ser levado ao “hospital dos loucos”, onde é extremamente maltratado diariamente, durante cerca de um mês.

Esse ponto da história me fez refletir um pouco sobre isso — isto é, sobre hospícios —, sobre como, desde sempre e nos mais variados países/culturas, este tipo de hospital se apresenta como um lugar de maus tratos e de tratamento desumano para com seus pacientes.

Uma característica interessante desses acontecimentos é que, quando hospedou o Califa em sua casa, Abu recomendou — mais de uma vez — que caso ele saísse muito cedo, que não esquecesse, em hipótese alguma, de fechar a porta do quarto. E claro, o Califa fez questão, em sua pegadinha, de não fechar a porta.

Depois de “recuperado” de sua loucura, Abu passou a culpar o Califa (ou o mercador) pelo ocorrido, acreditando que o fato deste não ter fechado a porta, permitira a entrada de demônios em seus sonhos, causando tudo o que veio a seguir.

Mas vocês se enganam se acham que a história acaba aí e que essa foi a única brincadeira ocorrida. Ainda tiveram outras duas! E as coisas só pioram. Como eu disse, ainda não sei muito bem o que pensar disso tudo.

Contudo, no início deste texto, eu disse que aprendi coisas interessantes. Além dessa questão da porta do quarto, que acabei de mencionar, também recebi, ao longo dessas linhas, uma explicação bem interessante sobre a bebida consumida durante as refeições:

“Nos três primeiros salões Abu Hassan só havia bebido água, segundo o costume observado em Bagdá tanto entre o povo e as camadas superiores como na corte do califa, onde só se bebe vinho à noite. Todos que procedem diversamente são tidos por devassos e não ousam mostrar-se durante o dia”

(pág. 236 — volume 2)

Outra costume que aprendi com essa narrativa foi o de sempre colocar o corpo de um morto a ser velado com os pés voltados para Meca. Este, aliás, foi um dos poucos momentos que vi uma referência bem clara e direta a Meca. Não foi a primeira vez, claro, mas levando em consideração a extensão da obra, são relativamente poucas as vezes que este local tão importante é mencionado.

No meu post anterior, comentei sobre a extensão desta história. Ela é realmente longa, mas a que vem a seguir é ainda mais. Trata-se, porém, de uma história mais “conhecida” e muito aguardada: A história de Aladim, ou a lâmpada maravilhosa.

Destacando alguns aspectos — Diário de leitura (13)

Depois de um breve hiato, é hora de voltar com o meu diário de leitura de “As mil e uma noites” e, desta vez, com A história de Ganem, filho de Abu Airu, Escravo do Amor. E confesso que, escrevendo esse título, percebi que ele pode ser um pouco ambíguo, pois “Escravo do Amor” poderia referir-se à Ganem ou à Abu Airu. Lendo a história, porém, compreendo que refere-se à Ganem.

Essa é uma história, de uma forma ou de outra, muito parecida com algumas outras, mas não sei se pelos dias que fiquei afastada do livro ou se pela forma da narrativa mesmo, consegui detectar claramente dois traços culturais interessantes. Antes disso, porém, gostaria de destacar essa passagem, que ainda hoje nos serve tão bem:

“Apressou o passo para chegar mais depressa, mas como acontece frequentemente, quanto mais pressa se tem tanto menos se avança, tomou um caminho pelo outro e perdeu-se na escuridão, de modo que já era quase meia-noite quando chegou à porta da cidade”

Isso é o que hoje chamaríamos de Lei de Murphy. É interessante ver esse tipo de pensamento já numa história tão antiga quanto As mil e uma noites. Mas passemos aos traços culturais que mais pude notar nesta narrativa.

Outro dia, meu namorado me ensinou que, na cultura do Oriente Médio, coisas importantes não podem ser ditas em pé, porque essas coisas não podem ser ditas com pressa, já que, sendo importantes, precisamos refletir sobre elas. Quando ele me disse isso, pensei já ter visto algo do tipo em As mil e uma noites, mas não tinha nenhum exemplo concreto em mente. Nesta história, porém, isto apareceu novamente:

“Ele queria permanecer de pé, mas ela respondeu que não tocaria em nada se ele não se sentasse e comesse também”

Tendo esse conhecimento que meu namorado me transmitiu, uma frase que poderia não significar grande coisa, adquire todo um novo sentido. E isso, uma vez mais, me faz pensar em quanta coisa provavelmente foi passando ao longo da leitura, ainda que tantas outras me tenham feito pensar.

Porém, nessa mesma história, em duas ocasiões ocorre algo que eu ainda não sei o real significado, mas que me parece importante também: para demonstrar que determinada ordem do Califa será cumprida, seus súditos colocam a mão (ou uma carta, no caso de um deles) sobre a cabeça, como uma forma de “jurar” o cumprimento das ordens dadas. Alguém conhece o significado desse gesto na cultura oriental?

Mudanças na estrutura da obra — Diário de leitura (11)

Depois das narrativas apresentadas em meu último diário de leitura, dei início à História de Nuredin e da Formosa Persa. Logo de cara, porém, um baque: deste ponto em diante não há mais a interrupção a cada noite, isto é, os “capítulos” do livro, agora, são formados por cada uma das narrativas de maneira completa, o que significa que são capítulos mais extensos.

Eu, particularmente, não gostei muito deste novo formato pois, como dito acima, os capítulos ficam mais extensos, mas também porque as interrupções a cada novo amanhecer me instigavam a continuar a leitura. Era aquela coisa de “só mais um capítulo”, porque geralmente isso significava só mais algumas páginas. Agora não, agora sinto que tenho de me dedicar à história inteira de uma vez e isso, por vezes, dá uma certa preguiça…

Esse formato, também, me faz pensar se, daqui para frente, haverá menos narrativas dentro das outras narrativas, como acontecia anteriormente. Na história de agora, por exemplo, foi assim. Havia, ali, apenas a história de Nuredin e da Formosa Persa.

Não que tenha sido uma história sem graça, muito pelo contrário. Trata-se de uma narrativa no estilo de outras que já li nesta obra, com idas e vindas e com passagens que nos fazem pensar “não é possível, isso não pode acontecer”. E, uma vez mais, o amor se faz presente, nos mostrando, também, muitos costumes da época ou da cultura oriental.

Um dos pontos que mais me chamou a atenção, porém, foi uma passagem sobre a confiança. Sobre como, desde sempre, muitas relações são baseadas no interesse e que, quando não temos mais nada a oferecer ao outro, ele nos dá as costas.

“Reconheceu, então, o erro irreparável de ter confiado tão facilmente nos falsos amigos e nos seus protestos de amizade, enquanto lhes oferecia banquetes suntuosos e os cumulava de benefícios”

Imagino que essa passagem mesmo seja uma crítica a esse comportamento e é uma pena ver que, passam-se anos e anos e algumas coisas não mudam.

Das reviravoltas — Diário de leitura (10)

Como eu disse em meu diário anterior, chegando ao final do primeiro volume de As mil e uma noites, iniciei a leitura de mais uma história de amor. Trata-se de uma narrativa longa, que durou da noite 211 até a 236.

Compõem esse arco as seguintes narrativas:

  • A história dos amores de Camaralzaman, príncipe da ilha dos filhos de Kaledan, e de Badura, princesa da China;
  • A história de Marzavan, com o prosseguimento da história de Camaralzaman;
  • Separação do príncipe e da princesa de Badura;
  • A história da princesa Badura após a separação do príncipe Camaralzaman;
  • Continuação da história do príncipe Camaralzaman desde a sua separação da princesa Badura;
  • A história dos príncipes Amdjad e Assad;
  • A prisão do príncipe Assad ao entrar na Cidade dos Magos;
  • A história do príncipe Amdjad e de uma dama da Cidade dos Magos;
  • Continuação da história do príncipe Assad.

São muitos encontros e desencontros aqui, bem como muitos momentos tensos. Eu diria até angustiantes. Foi uma história que me prendeu bastante e que dava vontade de saber o que viria a seguir. E o final é daqueles que você fica “aaaah, não acredito, que final incrível!”.

Começamos conhecendo dois jovens que, cada um em seu reino, precisam se tornar rei e rainha, e que, portanto, precisam se casar. Seus pais, porém, querem lhes dar a liberdade de escolher o par perfeito, mas esses jovens são bem exigentes…

Em tese, eles nunca viriam a se conhecer, mas alguns seres mágicos, para satisfazer seus próprios desejos, acabam por aproximá-los… E igualmente separá-los. E é neste ponto que as coisas começam a ganhar mais emoção.

Mas não para por aí não. Toda vez que achamos que as coisas estão se resolvendo, uma nova reviravolta ocorre. O próprio título “Separação do príncipe e da princesa de Badura” já nos dá uma ideia disso. Lembro-me que quando vi tal nome fiquei chocada. Como assim, depois de tanto trabalho para ficarem juntos, eles se separaram? Mas claro, as coisas não são tão simples assim… Até princesa se travestindo de príncipe tem nessa história toda (o que me fez pensar em Mulan também).

Mas… Se lá no primeiro diário eu super elogiei a minha edição desta obra, agora venho trazer uma pequena decepção: a editora provavelmente quis fazer dois volumes de tamanho praticamente iguais e, para isso, teve de colocar uma parte dessas narrativas que acabei de apresentar no primeiro volume, e uma parte no segundo. A divisão, assim, ficou um pouco abrupta. Achei que seria melhor ter deixado todo um arco no mesmo volume. Mas isso pode ter sido uma estratégia também, para nos fazer continuar, da mesma maneira que a Sherazade faz…

Como vocês devem ter percebido, portanto, terminei o primeiro volume de As mil e uma noites! E dando uma fuçadinha aqui, já vi que terei algo para comentar (talvez reclamar, de novo) no próximo diário, sobre esse segundo volume…

Histórias de amor — Diário de leitura (9)

Em meu último diário de leitura de As mil e uma noites, comentei que havia começado a leitura de uma história que parecia prometer. Isso porque, desde o início, notei que era uma narrativa de amor como até então eu não havia visto nesta obra. Algo diferente do que vinha aparecendo, mais forte e profundo.

Com efeito, a História de Abul-Hassan Ali Ebn Becar e de Chemselnihar, favorita do Califa Harun al-Rashid — que dura das noites 185 até a 210 — é bem intensa, nos apresentando um amor proibido, quase num estilo Romeu e Julieta (olha eu comparando ocidente e oriente de novo).

E, no meio dessa narrativa, é inserido um novo tipo textual: a carta, meio de comunicação entre os protagonistas. É importante destacar isso porque As mil e uma noites, além de ser uma obra coletiva (sim, ela não foi construída por narrativas de um único autor) é uma obra com diversos gêneros que, ao longos das traduções e adaptações, foram se perdendo. Hoje, temos acesso, a uma grande parte narrativa, mas As mil e uma noites é composta por poesias, cartas, bilhetes…

Estou chegando perto do final do primeiro volume da edição que tenho. A história que ainda está se desenrolando também é de amor, mas com a intervenção de criaturas mágicas, algo já um pouco mais próximo do que havia aparecido anteriormente.

Será que conseguirei falar sobre a conclusão desse primeiro volume justamente no 10º diário de leitura? Espero que sim! E veremos o que me aguarda no segundo (e último) volume. Vocês estão gostando dessa série de posts?

Quantas coisas podemos aprender? — Diário de leitura (4)

Durantes as noites 28 e 69 d’As mil e uma noites, estive mergulhada em uma longa história que se desdobrou em várias narrativas menores. Observar a construção desse quadro foi muito interessante e espero conseguir compartilhar um pouco disso com vocês.

É preciso, antes de mais nada, ressaltar que a primeira narrativa recebe o segundo título: A história dos três calândares, filhos de rei, e das cinco damas de Bagdá. Só por aí já poderíamos imaginar que o desdobramento dela seria longo, uma vez que cada um desses personagens — e temos oito mencionados acima — poderia ter a sua própria história.

No caso das cinco damas, porém, não chegamos a ler uma história para cada, mas, ao longo da narrativa, também surgem outros personagens, então não é de se espantar que esse conjunto se estenda por tantos dias seguidos.

“Sherazade preparava-se para continuar a sua história, mas percebendo que era dia, calou-se. A qualidade dos novos atores que ela acaba de introduzir na cena aguçou a curiosidade de Shahriar, que certo de que sucederiam coisas singulares, aguardou com paciência a noite seguinte”

Os títulos que compõem esse arco, além do já mencionado acima, são:

  • A história do primeiro calândar, filho do rei
  • A história do segundo calândar, filho do rei
  • A história do invejoso e do invejado
  • A história do terceiro calândar, filho do rei
  • A história de Zobeida
  • A história de Amina

É uma história mais interessante que a outra, sem dúvidas. Mas me chamou a atenção um pedaço da narrativa de Zobeida que, em um dado momento, conta sobre chegar a uma cidade em que todas as pessoas estavam petrificadas. Elas encontravam-se assim devido a alguma espécie de maldição, mas não pude deixar de lembrar de Pompeia, cidade italiana que foi tragada pela lava do Vesúvio, matando muitos moradores petrificados após o resfriamento desta.

Também não posso deixar de comentar a seguinte passagem:

“Respondi-lhe que era gramático, poeta e, sobretudo, que sabia escrever perfeitamente bem. Com tudo quanto acabastes de dizer, disse-me, não ganhareis neste país o suficiente para um simples pedaço de pão; aqui nada é mais inútil do que qualquer desses conhecimentos”

Ouvir que conhecimentos linguísticos e poesia são conhecimentos inúteis é algo comum até os dias de hoje, mas ver isso estampado em uma história que representa justamente o poder que as narrativas têm de salvar vidas (coisa que já comentei melhor aqui) é assustador. Passam-se os anos — afinal, As mil e uma noites foi escrita tanto tempo atrás — e não evoluímos nossas crenças…

Outra coisa que tem chamado minha atenção, não apenas nas histórias aqui mencionadas, mas também em tantas outras anteriormente lidas: a quantidade de narrativas que apresentam humanos transformados em animais e vice-versa. Essa é uma característica que talvez valesse a pena uma pesquisa um pouco mais aprofundada, pois certamente há muito da cultura local e da época por trás disso. Inclusive, se alguém tiver algum conhecimento relacionado a isso, não deixe de compartilhar aqui, porque, confesso, sou uma negação em saberes relacionados à cultura oriental.