O mito do professor nativo

Como professora de idiomas, mais de uma vez me deparei com vagas que buscavam somente falantes nativos para dar aula. Confesso que sempre fiquei bem confusa com isso e este post é justamente para mostrar como não faz sentido exigir (somente) que a pessoa seja nativa.

Para começo de conversa, ensinar uma língua requer muito mais que meros conhecimentos linguísticos. Caso contrário, bastaria que eu nascesse no Brasil para poder sair dando aulas de português por aí, certo? Você sente que é capaz de dar aulas de português para um estrangeiro? Pois é, a tarefa já começa bem mais complicada do que parece.

Além disso, não se trata apenas de saber bem determinada língua, trata-se, também, de ter didática. Você pode até se sentir apto a ensinar uma língua a outra pessoa, mas você saberá fazer isso didaticamente, ou seja, de maneira clara e coerente? Aqui a coisa começa a ficar ainda mais complicada!

Para unir os elementos que apresentei até aqui o ideal é que, em primeiro lugar, o professor tenha formação na área de ensino de línguas, isto é, que tenha feito um curso superior (Licenciatura em Letras). Claro que, o curso por si só não costuma ser suficiente, então esse professor terá de se dedicar horas e horas à língua, para chegar a um patamar mais elevado de conhecimento (na verdade, professores estão constantemente aprendendo).

Isso significa, portanto, que se o professor for formado em Letras e for nativo, ele será o professor perfeito? Também não necessariamente! Já tive aulas com professores nativos, formados em Letras e que, ainda assim, não se deram bem com o público brasileiro. É que aqui entra um terceiro fator: choques culturais. Isto é, um professor, se for nativo, além de realmente ter um bom conhecimento da língua e didática para ensiná-la, precisará, também, estar aberto à outra cultura e à forma como as pessoas daquela cultura lidam com o aprendizado (e com todo o resto que nos cerca).

Outro mito que circunda o professor nativo é a questão do sotaque: “ah, mas se eu tiver aulas com um professor nativo, eu vou falar a língua dele sem sotaque algum”. Gente, que país no mundo não tem sotaque? Em que país toda a população fala igualzinho? Eu não conheço nenhum…

Agora, uma coisa que realmente pode ser uma vantagem nas aulas com um professor nativo é poder ter um contato mais próximo com uma cultura diversa, isto é, ter alguém a quem perguntar diretamente “como funciona” algo em determinado país. Ainda assim, temos de ter em mente que teremos a visão de uma pessoa e que ela não necessariamente representa toda uma cultura local.

Aliás, aprender línguas nos abre portas para conhecer novos mundos, novas formas de pensar. E essa experiência pode ser ainda melhor se aprendermos com alguém realmente qualificado para tanto, não é mesmo?

Então, ao procurar um professor de línguas, mais do que perguntar se a pessoa é nativa, pergunte quais as qualificações dela e, muito importante, como ela trabalha (eu até poderia usar o termo “método” aqui, mas essa também é uma discussão para outro post…).

E antes de concluir, gostaria de indicar esse texto que encontrei enquanto pensava no que escreveria aqui e que achei bem interessante (e bem pertinente com o que eu trouxe): O mito do “professor nativo” no ensino de línguas estrangeiras.

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15 comentários em “O mito do professor nativo

  1. Adorei seu artigo. Já me aventurei como professor de inglês, mas acabei desistindo por ver que não era pra mim. Realmente concordo com tudo o que você disse, e ainda adiciono outro fator que em minha opinião um professor não nativo tem como vantagem. Ele teve de aprender a falar aquela língua do zero como falante não nativo, logo conhece mais meios e percalços para se atingir um nível avançado. Já tive aula com professor nativo, formado em letras e com formação em CELTA. E sinceramente, foi um dos piores professores que já tive. Faltava didática e um certo tato ao sujeito. São diversos fatores que tornam um bom professor, conforme você explicou muito bem, e acho o assunto muito relevante tanto para os alunos quanto para professores de idiomas.

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  2. Eu sempre achei curioso esse fato de algumas escolas prezarem tanto pelo nativo, mas não se preocuparem em avaliar a didática do sujeito.
    Eu mesma sou um exemplo: falo japonês fluentemente desde criança, mas se pedirem para que eu dê aula, não tenho nem ideia por onde começar. Porque o processo de aprendizagem de um idioma de um nativo não é tão linear. A não ser que intenção seja a propria imersão. Mas, daí, vale para quem já tem pelo menos um nivel básico para intermediário nesse idioma. Da mesma forma que o comentário anterior do Juliano, eu também tentei aprender francês com um brasileiro que aprendeu o idioma por ter morado na França. Porém, ele nunca recebeu uma educação formal nessa língua. Não consegui aprender muita coisa, como se pode imaginar. Fui aprender melhor quando fiz um curso básico, do zero, com alunas que eram estagiárias do curso de Letras.

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    1. Pois é! E é algo bem comum.
      No caso do japonês, então, é ainda mais difícil mesmo, porque você tem de literalmente alfabetizar a pessoa em outra língua.
      E bem interessante essa sua experiência também: não é porque a pessoa aprendeu a língua que você conseguirá aprender com ela, pois, de novo, entramos na questão da didática.
      Muito obrigada pelo seu comentário!!

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  3. Gostei muito do post. E também não acho que a pessoa ser nativa o torna qualificada a ensinar. Eu mesmo tenho zero capacidade de ensinar português a alguém.

    PS: ainda quero que me ensine italiano. E português tmb kkkkk

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  4. Adorei, Tati! Sou formada em jornalismo e já me aventurei a dar aula de inglês. Embora tenha sido uma ótima experiência, ficou muito evidente pra mim que ser fluente no idioma não significa necessariamente saber ensiná-lo. Eu senti muita falta de uma formação em letras pra isso.

    Também já fiz aulas de francês com um nativo que era muito gente boa, mas mal sabia falar português. Ele tinha muita dificuldade de explicar as coisas pra gente porque lhe faltava vocabulário no nosso idioma. (Além disso, ele falava muito mal dos costumes brasileiros, eu percebi até que as aulas estavam me deixando meio mal, porque ele só reclamava do Brasil.) Essa questão do choque cultural é real mesmo.

    Beijo,
    Brenda

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    1. Obrigada, Brenda!
      Gostei muito dessas duas experiencias que você relatou. Ter feito disciplinas de didática, na faculdade, abriram muito a minha mente para novas formas de ensinar e, hoje, dou aulas que buscam realmente atender às necessidades dos alunos e cada aluno tem uma necessidade diferente com relação à língua! Mas também acredito que muita gente consiga ser didático e aprender novas formas de ensinar sem necessariamente ter feito uma faculdade para isso. São sempre casos e casos.
      Agora, ficar falando mal… Aí já complica! hahahaah Chocada com isso

      Beijão

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  5. Ultimamente tenho visto vários depoimentos de pessoas que estão se entristecendo com a falta de tato e visão de profissionais de RH, que estão exigindo cada vez mais coisas que não competem ao profissional procurado. Você tem razão ao falar de que nem todo nativo é capaz de ensinar… enquanto eu aprendia alemão, tinha muita dificuldade com alguns desses “professores”

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    1. Nossa, eu leio requisitos de vaga de emprego e penso: quando viramo robôs? Exigências lá no alto e salários lá embaixo. Uma pessoa que aceita um salário desses, geralmente está no início de carreira, mas não tem metade da experiência que a vaga. Complicado.
      Alemão é uma língua que pode ser bem difícil para nós e, com um professor sem didática, torna-se um monstro. Isso inclusive gera traumas nas pessoas

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      1. Eu estou nesses dilemas pq estou trocando de área… é super difícil achar algo na área da tecnologia que não peça algum tipo de conhecimento/experiência anterior.

        Te desejo sorte na procura e fico na esperança que uma hora dessas essa situação mude!

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